Ansiedade nos cães pode ter relação com o intestino, sugere estudo

Microbioma canino pode influenciar o comportamento. (Foto: Valeria Boiko via Canva)
Microbioma canino pode influenciar o comportamento. (Foto: Valeria Boiko via Canva)

O intestino dos cães é um universo complexo, repleto de trilhões de microrganismos que formam o chamado microbioma intestinal. Nos últimos anos, pesquisadores têm investigado se essa comunidade microbiana pode influenciar não apenas a saúde física, mas também o comportamento canino, incluindo ansiedade, aprendizagem e resposta ao estresse.

Uma revisão crítica publicada na ScienceDirect reuniu os estudos mais relevantes sobre o tema e mostrou que a relação entre microbioma e comportamento é promissora, mas ainda repleta de incertezas e limitações científicas.

O que a revisão científica encontrou

A análise dos estudos existentes revelou alguns pontos-chave:

  • indícios preliminares de associação entre composição do microbioma e comportamentos como medo, ansiedade e cognição.
  • Os estudos, porém, ainda são poucos, pequenos e com grande variação metodológica, o que impede conclusões definitivas.
  • Dieta, idade, raça, ambiente, estresse e uso de medicamentos influenciam muito o microbioma, e quase nenhum estudo conseguiu controlar todos esses fatores.
  • Grande parte das pesquisas utiliza apenas sequenciamento 16S de amostras fecais, técnica que identifica microrganismos, mas não fornece informações suficientes sobre função, mecanismos ou metabólitos envolvidos.
  • Até agora, a maior parte das evidências mostra correlações, não causalidade.

Por que o microbioma pode afetar o comportamento dos cães?

Disbiose pode estar ligada à ansiedade em cães. (Foto: Getty Images via Canva)
Disbiose pode estar ligada à ansiedade em cães. (Foto: Getty Images via Canva)

Pesquisas em humanos e animais sugerem a existência do chamado eixo intestino-cérebro, um sistema complexo de comunicação entre sistema nervoso, microbiota intestinal, hormônios e sistema imunológico.

Nos cães, alguns estudos sugerem que:

  • Alterações na microbiota podem influenciar a produção de neurotransmissores, como serotonina e GABA.
  • O microbioma pode modular a inflamação sistêmica, que afeta a saúde cerebral.
  • Dieta e estresse alteram rapidamente tanto comportamento quanto composição microbiana.

Apesar disso, ainda não há comprovação de que mudar o microbioma causa mudança direta no comportamento, e essa é uma das principais lacunas apontadas pela revisão.

Limitações importantes da pesquisa atual

A revisão reforça várias limitações que precisam ser corrigidas antes que qualquer intervenção baseada em microbioma seja recomendada:

  • Amostras pequenas e pouco representativas.
  • Falta de padronização na forma de classificar comportamento, coletar fezes e sequenciar DNA.
  • Pouca repetição dos achados entre estudos diferentes.
  • Ausência de estudos longitudinais que acompanhem cão + microbioma + comportamento ao longo do tempo.
  • Falta de estudos de intervenção, como dietas controladas, probióticos ou transplante fecal com medidas comportamentais robustas.

Ou seja: o campo é promissor, mas ainda jovem e metodologicamente frágil.

O que a ciência precisa fazer nos próximos anos?

A revisão da ScienceDirect aponta várias direções essenciais para consolidar esse campo de estudo:

  • Realizar estudos longitudinais amplos, acompanhando comportamento e microbioma simultaneamente.
  • Desenvolver intervenções controladas, avaliando probióticos, dietas e manipulações da microbiota.
  • Usar tecnologias avançadas, como metagenômica, metabolômica e multiômicas, para entender funções microbianas.
  • Criar padrões de avaliação comportamental mais consistentes, validados e comparáveis.

Com esses avanços, será possível descobrir se a microbiota realmente influencia o comportamento, e de que forma.

O que isso significa para os tutores de cães?

Embora os estudos ainda não permitam conclusões definitivas, alguns cuidados já têm base científica:

  • Oferecer dieta de alta qualidade e estável, sem trocas bruscas.
  • Evitar uso desnecessário de antibióticos.
  • Garantir rotina, enriquecimento ambiental e redução de estresse, fatores que também modulam o microbioma.
  • Buscar avaliação veterinária quando houver mudanças persistentes de comportamento.

Essas práticas ajudam a manter tanto o comportamento quanto o intestino do cão mais equilibrados.

Rafaela Lucena é farmacêutica, formada pela UNIG, e divulgadora científica. Com foco em saúde e bem-estar, trabalha para levar informação confiável e acessível ao público de forma clara e responsável.