Terapia digital reprograma conexões do cérebro na depressão, diz estudo

Terapia digital reduz sintomas da depressão em até 50%. (Foto: NunDigital via Canva)
Terapia digital reduz sintomas da depressão em até 50%. (Foto: NunDigital via Canva)

A depressão continua sendo uma das condições de saúde mental mais prevalentes no mundo, afetando profundamente o humor, a motivação e a qualidade de vida. Embora os medicamentos sejam amplamente utilizados, a psicoterapia segue como um dos pilares mais sólidos do tratamento, especialmente a Terapia Cognitivo-Comportamental.  Novas evidências indicam que versões digitais e mais curtas dessa abordagem podem ir além da melhora clínica, promovendo mudanças mensuráveis no funcionamento do cérebro.

Um estudo publicado na revista científica Molecular Psychiatry, intitulado “Alterações de neuroimagem na depressão maior com terapia cognitivo-comportamental breve assistida por computador em comparação com a lista de espera”, investigou os efeitos da terapia cognitivo-comportamental assistida por computador sobre os sintomas depressivos e a conectividade cerebral. O trabalho foi conduzido por Yvette I. Sheline et al.

Uma nova forma de levar a terapia até o paciente

A Terapia Cognitivo-Comportamental tradicional exige encontros semanais ao longo de meses, o que pode limitar o acesso ao tratamento. Por isso, surgiram versões assistidas por computador, que combinam sessões presenciais com módulos digitais interativos, permitindo que o paciente pratique habilidades terapêuticas em casa.

No estudo, os participantes passaram por um protocolo enxuto composto por cinco sessões com terapeuta e nove lições online, distribuídas ao longo de oito semanas. As atividades digitais incluíam exercícios estruturados, simulações e tarefas práticas voltadas à reestruturação de pensamentos negativos e ao desenvolvimento de estratégias emocionais mais adaptativas.

Redução dos sintomas e mudanças reais no cérebro

Os resultados clínicos foram expressivos. Os participantes que concluíram o tratamento apresentaram redução de quase 50% nos sintomas de depressão, enquanto o grupo que permaneceu em lista de espera não demonstrou melhora significativa. Além disso, mais da metade respondeu positivamente ao tratamento, e uma parcela considerável atingiu remissão dos sintomas.

Entretanto, o achado mais relevante foi observado nos exames de ressonância magnética funcional. Após a terapia, houve um fortalecimento das conexões entre o córtex pré-frontal, responsável pelo controle emocional e tomada de decisões, e estruturas profundas associadas à emoção e à recompensa, como amígdala, hipocampo e núcleo accumbens.

Redes cerebrais e regulação do humor

Tratamento online fortalece circuitos cerebrais do humor. (Foto: Berkay08 via Canva)
Tratamento online fortalece circuitos cerebrais do humor. (Foto: Berkay08 via Canva)

O estudo também identificou alterações na Rede de Modo Padrão, sistema cerebral ligado à autorreferência e ao pensamento ruminativo, que passou a se conectar de forma mais eficiente com regiões da ínsula, envolvidas na percepção emocional e corporal. Esse padrão sugere uma reorganização funcional que favorece maior equilíbrio emocional.

Uma melhora específica na conectividade entre a rede frontoparietal e o córtex cingulado anterior subgenual esteve associada à redução dos sintomas em escalas amplamente utilizadas para avaliação da depressão, reforçando o impacto neurobiológico da intervenção.

O que esses achados representam

Essas descobertas fortalecem a ideia de que intervenções psicológicas digitais não são apenas alternativas práticas, mas também capazes de promover transformações reais nos circuitos cerebrais ligados ao humor. Ao tornar o tratamento mais acessível, breve e escalável, a terapia assistida por computador pode ampliar o alcance da psicoterapia baseada em evidências.

Embora mais estudos sejam necessários para comparações diretas com a terapia tradicional, os dados indicam que parte significativa do efeito terapêutico pode ocorrer fora do consultório, abrindo novas possibilidades para o cuidado em saúde mental.

Rafaela Lucena é farmacêutica, formada pela UNIG, e divulgadora científica. Com foco em saúde e bem-estar, trabalha para levar informação confiável e acessível ao público de forma clara e responsável.