Em ambientes ruidosos, compreender uma conversa já exige esforço do cérebro. Para pessoas com misofonia, esse desafio pode se tornar ainda mais intenso quando determinados sons aparentemente inofensivos entram em cena. Evidências recentes mostram que ruídos desencadeadores não apenas provocam desconforto emocional, mas também interferem diretamente na capacidade de perceber a fala, revelando um impacto funcional pouco explorado dessa condição.
A misofonia é caracterizada por reações intensas a sons comuns do cotidiano, como mastigação, fungadas ou estalos repetitivos. Embora não seja classificada como um distúrbio auditivo clássico, ela envolve alterações na forma como o cérebro processa estímulos sonoros, especialmente aqueles associados a respostas emocionais e de alerta.
O cérebro em estado de alerta sonoro
Pesquisas em neurociência indicam que, na misofonia, há uma hiperconectividade entre áreas auditivas e regiões ligadas à emoção e à ameaça. Como resultado, sons específicos passam a ser interpretados como intrusivos ou intoleráveis. Isso explica por que pessoas com misofonia costumam evitar ambientes sociais, refeições em grupo ou locais públicos movimentados.
Entretanto, até recentemente, pouco se sabia sobre como esses sons influenciam funções cognitivas básicas, como a percepção da fala no ruído, habilidade essencial para a comunicação diária.
O que o estudo investigou
Um estudo publicado na revista científica Brain and Behavior, intitulado “Quando os sons do dia a dia se tornam barreiras: o efeito da misofonia na percepção da fala”, conduzido por Nazife Öztürk Özdeş e Suna Tokgöz Yılmaz, analisou exatamente esse aspecto.
A pesquisa comparou adultos com misofonia e indivíduos sem a condição em testes de compreensão da fala em ambientes ruidosos. Inicialmente, ambos os grupos apresentaram desempenho semelhante quando expostos apenas a ruído de fundo comum. No entanto, o cenário mudou drasticamente quando um som desencadeador foi introduzido.
Sons gatilho reduzem a compreensão da fala

Na presença do som desencadeador, os participantes com misofonia demonstraram uma queda significativa na capacidade de entender frases, mesmo sem alterações na audição periférica. Além disso, dois fatores ampliaram esse efeito:
- Maior número de sons desencadeadores
- Maior gravidade dos sintomas de misofonia
Quanto mais intensa a condição, maior a dificuldade em filtrar o ruído e focar na fala relevante. Esses achados reforçam que a misofonia afeta não apenas o bem-estar emocional, mas também processos neurofisiológicos envolvidos na atenção auditiva.
Implicações clínicas e científicas
Os resultados ampliam a compreensão da misofonia como uma condição que impacta funções cognitivas essenciais. Isso tem implicações importantes para avaliação clínica, intervenções terapêuticas e adaptações em ambientes de trabalho ou convivência social.
Embora o estudo tenha limitações, como o uso de um único tipo de som desencadeador e uma amostra relativamente pequena, ele abre caminho para pesquisas mais amplas, com diferentes estímulos sonoros e populações diversas.
Com isso, a ciência avança no entendimento de como sons cotidianos podem se transformar em verdadeiras barreiras invisíveis à comunicação para pessoas com misofonia.

