Cientistas apontam que fóssil de ancestral humano pode ser nova espécie

Little Foot pode representar uma nova espécie ancestral humana. (Foto: Universidade La Trobe)
Little Foot pode representar uma nova espécie ancestral humana. (Foto: Universidade La Trobe)

A história da evolução humana pode ser ainda mais complexa do que se imaginava. Um dos fósseis de hominídeos mais bem preservados do mundo, conhecido como Little Foot, voltou ao centro do debate científico após novas análises indicarem que ele pode representar uma espécie ancestral humana até então desconhecida. A descoberta reforça a ideia de que a diversidade de hominídeos na África antiga era maior do que os modelos tradicionais sugerem.

Encontrado no sistema de cavernas de Sterkfontein, na África do Sul, o esqueleto catalogado como StW 573 impressiona por seu alto grau de preservação. Datado entre 2,8 e 3,7 milhões de anos, o fóssil oferece uma rara oportunidade de observar com detalhes a anatomia de hominídeos primitivos.

Um fóssil que desafia classificações tradicionais

Desde que foi apresentado ao público, o Little Foot gerou divergências entre especialistas. Inicialmente, ele foi associado ao Australopithecus africanus, uma espécie já conhecida e descrita no início do século XX. Posteriormente, surgiu a proposta de classificá-lo como Australopithecus prometheus, uma espécie menos aceita e ainda controversa.

No entanto, um novo estudo publicado no American Journal of Biological Anthropology, liderado por Jesse M. Martin, da Universidade La Trobe, aponta que essa classificação pode estar equivocada. De acordo com a análise, o fóssil StW 573 Little Foot não deve ser atribuído ao Australopithecus prometheus.

Evidências anatômicas apontam para uma nova linhagem

StW 573 lateral com entalhe asteriônico destacado em azul. (Foto: Jesse M. Martin via American Journal of Biological Anthropology)
StW 573 lateral com entalhe asteriônico destacado em azul. (Foto: Jesse M. Martin via American Journal of Biological Anthropology)

A equipe de pesquisa analisou com atenção regiões do crânio consideradas evolutivamente estáveis, especialmente a base posterior do crânio, conhecida como plano nucal. Essas estruturas tendem a mudar muito lentamente ao longo da evolução, o que as torna essenciais para diferenciar espécies próximas.

Os resultados mostraram que o Little Foot apresenta diferenças anatômicas consistentes em relação tanto ao Australopithecus africanus quanto ao Australopithecus prometheus. Esse conjunto de características sugere que o espécime pertence a uma linhagem distinta de hominídeos, ainda não formalmente descrita pela ciência.

O que isso muda na árvore genealógica humana

Se confirmada, essa interpretação pode representar a identificação de um novo ramo da evolução humana, e não apenas uma variação dentro de espécies já conhecidas. Isso reforça a hipótese de que múltiplas espécies de hominídeos coexistiram no sul da África por longos períodos, compartilhando ambientes e possivelmente interagindo entre si.

Entre os principais pontos destacados pela pesquisa estão:

  • Diferenças estruturais na base do crânio
  • Padrões anatômicos não compatíveis com espécies conhecidas
  • Alto grau de preservação, permitindo análises detalhadas
  • Importância do fóssil para revisar modelos evolutivos atuais

Por que o Little Foot é tão importante para a ciência?

O Little Foot é considerado o esqueleto de hominídeo mais completo já encontrado, o que torna ainda mais surpreendente o fato de ele possivelmente representar uma espécie inédita. Essa condição oferece aos pesquisadores uma visão quase completa da morfologia corporal de um ancestral humano muito antigo, algo extremamente raro no registro fóssil.

Apesar disso, os autores do estudo optaram por não reclassificar formalmente o fóssil neste momento, sugerindo que a nomeação de uma nova espécie seja feita pela equipe responsável pela escavação e análise do material ao longo de mais de duas décadas.

Além da questão taxonômica, ainda existem debates sobre a idade exata do Little Foot, com estimativas variando em quase um milhão de anos. Essas incertezas mostram que, mesmo após décadas de estudo, o fóssil continua levantando novas perguntas.O que já parece claro é que o Little Foot ocupa um lugar central na compreensão da evolução humana e pode, em breve, obrigar a ciência a revisar capítulos inteiros da nossa própria história.

Rafaela Lucena é farmacêutica, formada pela UNIG, e divulgadora científica. Com foco em saúde e bem-estar, trabalha para levar informação confiável e acessível ao público de forma clara e responsável.