Arqueólogos descobrem que povos indígenas criaram megassistemas agrícolas na Amazônia há 1.000 anos

Campos elevados e canais mostram domínio sobre a natureza. (Foto: Gerada por IA via Gemini)
Campos elevados e canais mostram domínio sobre a natureza. (Foto: Gerada por IA via Gemini)

Muito antes das fronteiras modernas e das cidades emergirem, a Amazônia já pulsava sob o comando de sociedades complexas e criativas. Pesquisas recentes em áreas úmidas do sudoeste da floresta, especialmente nos Lagos Rogaguado e Ginebra, na Bolívia, indicam que povos indígenas prosperaram ali por mais de mil anos, adaptando o ambiente às suas necessidades sem destruí-lo.

Os achados, publicados na Frontiers in Environmental Archaeology, revelam um passado vibrante e inteligente: paisagens planejadas, redes de canais e vastos campos elevados. Longe de um território “intocado”, a Amazônia antiga foi uma das maiores obras de engenharia ecológica da história pré-colombiana.

A arte de viver com a água

Em vez de combater as inundações, esses povos aprenderam a trabalhar com os ciclos das cheias.
Escavações em sítios como Paquío, Coquinal e Jasschaja mostram estruturas geométricas, plataformas de cultivo e sistemas de drenagem capazes de controlar o nível da água durante as estações chuvosas.

Essas construções criaram áreas férteis para o cultivo de milho, leguminosas e palmeiras nativas, enquanto canais garantiam pesca abundante e circulação de nutrientes.
O resultado foi uma economia integrada e sustentável, baseada em quatro pilares:

  • Pesca de espécies como tucunaré e peixe-lobo;
  • Caça de mamíferos e répteis das várzeas;
  • Coleta de frutos e sementes de palmeiras;
  • Agricultura adaptada às oscilações do clima.

Essas práticas mostram que a Amazônia já foi, há séculos, um laboratório vivo de sustentabilidade e manejo ambiental.

O legado invisível das civilizações amazônicas

Vestígios carbonizados mostram alimentos usados há mil anos. (Foto: C. Jaimes et al / Frontiers)
Vestígios carbonizados mostram alimentos usados há mil anos. (Foto: C. Jaimes et al / Frontiers)

As análises de radiocarbono indicam ocupações entre 600 e 1400 d.C., marcando períodos de expansão e reorganização cultural.
Com o tempo, esses povos desenvolveram estruturas monumentais de terra, cuja precisão geométrica ainda intriga os pesquisadores.

A paisagem dos Llanos de Moxos, região que abriga esses sítios, guarda vestígios de uma engenharia social e ecológica sem precedentes, um modelo de convivência equilibrada entre ser humano e natureza.

Mesmo após o declínio dessas sociedades, as comunidades Cayubaba e Movima continuam habitando a área, mantendo viva uma tradição de respeito às águas, florestas e ritmos da terra.

O passado como guia para o futuro

Hoje, enquanto o desmatamento e as mudanças climáticas ameaçam o equilíbrio amazônico, as descobertas sobre esses povos antigos lançam luz sobre caminhos de sustentabilidade esquecidos.

Em vez de explorar o ambiente, eles o compreendiam como parceiro. Suas técnicas de manejo podem inspirar novas formas de agricultura regenerativa e conservação ambiental.

Mais do que ruínas, os vestígios desses povos contam uma história de resiliência, diversidade e harmonia, uma lembrança de que o futuro da Amazônia pode depender de ouvir as lições gravadas em seu próprio solo.

Rafaela Lucena é farmacêutica, formada pela UNIG, e divulgadora científica. Com foco em saúde e bem-estar, trabalha para levar informação confiável e acessível ao público de forma clara e responsável.