Uma nova análise de um fóssil descoberto no Quênia provocou um verdadeiro abalo na paleoantropologia. A mão identificada no espécime KNM-ER 101000, atribuída ao Paranthropus boisei, revela que esse hominídeo possuía habilidades manuais consideradas, até então, exclusivas dos primeiros representantes do gênero Homo.
O estudo, publicado na revista Nature e conduzido por Carrie S. Mongle e sua equipe, abre espaço para uma revisão profunda sobre como as habilidades motoras evoluíram ao longo do Pleistoceno.
Um enigma que ganha forma
Por muito tempo, o Paranthropus boisei foi lembrado principalmente por sua cabeça robusta e especialização alimentar. Entretanto, a ausência de informações sobre suas mãos mantinha lacunas importantes na reconstrução de sua biologia. Agora, os fragmentos encontrados às margens do Lago Turkana revelam um conjunto anatômico inesperado.
A análise mostrou que a mão do KNM-ER 101000 tinha um conjunto de características que combinam:
- Polegar alongado e forte, semelhante ao de humanos modernos.
- Falanges menos curvadas do que as encontradas em hominídeos escaladores.
- Regiões da mão e do dedo mínimo extremamente robustas, lembrando primatas de grande porte.
Essa mistura indica uma anatomia capaz de oferecer precisão, ao mesmo tempo em que suportava movimentos potentes e repetitivos.
Força e habilidade

Embora o formato do polegar indique capacidade para manipulações delicadas, a robustez geral da mão sugere que esse hominídeo não dependia de tecnologia lítica de forma intensa.
Segundo a análise apresentada no estudo “KNM-ER 101000 and the functional morphology of Paranthropus boisei hands and feet”, os autores propõem que essa espécie pode ter desenvolvido uma estratégia distinta para acessar alimentos.
Essas adaptações indicam que o P. boisei provavelmente utilizava a mão para:
- Apertos extremamente fortes.
- Processamento de alimentos vegetais duros.
- Manipulação de objetos naturais, como pedras simples para quebrar sementes.
Assim, a espécie teria seguido um caminho evolutivo próprio, priorizando força manual para exploração ambiental, enquanto o gênero Homo avançava na produção sistemática de ferramentas.
Nova interpretação para o cenário evolutivo
A descoberta também traz uma leitura mais complexa sobre o ecossistema humano do Pleistoceno. A coexistência entre o Paranthropus boisei e as primeiras espécies do gênero Homo agora ganha nuances adicionais: ambos tinham capacidade manual avançada, mas suas estratégias evolutivas diferiram significativamente.
Os autores do estudo, Carrie S. Mongle, Samar Syeda e colaboradores, destacam que a nova morfologia encontrada não apenas complementa o esqueleto da espécie, como também amplia a compreensão sobre diversidade funcional entre hominídeos. A partir disso, fica claro que a evolução da destreza manual não foi um caminho linear, e sim um mosaico de soluções desenvolvidas por diferentes linhagens.
O KNM-ER 101000 demonstra que habilidades consideradas “exclusivas” do gênero Homo podem ter surgido de forma paralela em outros hominídeos. Isso reforça a ideia de que a evolução humana é dinâmica, repleta de adaptações independentes.
Cada novo fóssil amplia, corrige e aprofunda aquilo que entendemos sobre nossa própria origem, e esse é, justamente, o impacto dessa descoberta.

