Cientistas descobrem como a saliva humana evoluiu a partir dos primatas

Evolução da saliva revela segredos da saúde e da dieta dos primatas (Imagem: Gerada por IA/ Gemini)
Evolução da saliva revela segredos da saúde e da dieta dos primatas (Imagem: Gerada por IA/ Gemini)

Muito além de apenas umidade na boca, a saliva humana é um fluido biológico essencial para a digestão, proteção dos dentes e defesa contra microrganismos. No entanto, sua história evolutiva permaneceu pouco compreendida até recentemente. Um estudo conduzido por cientistas da Universidade de Buffalo revelou que a evolução da saliva humana está profundamente ligada aos primatas, nossos ancestrais diretos.

Os pesquisadores analisaram dados genéticos e descobriram que genes ligados às proteínas salivares passaram por um intenso processo de duplicações, perdas e modificações ao longo da evolução, refletindo adaptações alimentares e imunológicas.

  • Genes da saliva sofreram expansão ao longo da evolução dos mamíferos;
  • Alterações refletem adaptações à dieta e ao ambiente;
  • Proteínas salivares evoluíram para proteger dentes e auxiliar na digestão;
  • Humanidade desenvolveu níveis elevados de amilase, enzima que quebra o amido;
  • Estudo abre caminho para novas abordagens de medicina personalizada bucal.

O papel evolutivo das proteínas salivares

As análises genéticas mostraram que o grupo de genes SCPP, responsável pela produção de fosfoproteínas ligadas ao cálcio, teve papel fundamental na formação de ossos, esmalte dentário e leite nos primeiros vertebrados. Essas mesmas proteínas, mais tarde, se especializaram para proteger os dentes humanos contra ácidos e bactérias, tornando-se parte essencial da defesa bucal evolutiva.

Genes da saliva humana mostram adaptações únicas ao longo da evolução (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)
Genes da saliva humana mostram adaptações únicas ao longo da evolução (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)

A pesquisa, publicada na revista Genome Biology and Evolution, mostrou que a saliva humana é muito mais diversa do que a de nossos parentes próximos, como os macacos, que compartilham mais de 98% do nosso DNA. Essa diferença se deve principalmente à variação alimentar: enquanto os humanos passaram a consumir amido desde cedo, os primatas mantiveram dietas ricas em frutas e vegetais.

Dieta e ambiente moldaram nossa saliva

A quantidade de amilase, enzima que decompõe o amido, é um dos maiores contrastes entre humanos e outros primatas. Essa adaptação foi essencial para digerir grãos e raízes, alimentos centrais na evolução da dieta humana. Além disso, a presença de proteínas semelhantes às caseínas do leite sugere que a saliva desempenha um papel análogo ao de nutrientes que fortalecem ossos e dentes.

A pesquisa também indica que as mudanças ambientais e os hábitos alimentares influenciaram a composição da saliva de forma semelhante à evolução observada em outras espécies, como morcegos, cujas dietas variam entre frutas, insetos e sangue. Isso mostra que o ambiente exerce pressão direta sobre a diversificação proteica da saliva.

Novas fronteiras na medicina bucal

Com mais de 3.000 componentes identificados, a saliva oferece um retrato detalhado da saúde geral e oral dos indivíduos. Os cientistas destacam que compreender suas variações genéticas e funcionais pode ajudar a identificar biomarcadores de doenças bucais e a desenvolver estratégias de medicina personalizada.

Essas descobertas também reforçam a importância de considerar a saliva como biofluido diagnóstico, assim como o sangue e a urina, capaz de indicar desde distúrbios metabólicos até riscos de cáries e inflamações.

Um espelho da nossa evolução

A saliva, frequentemente subestimada, é um registro vivo da nossa história evolutiva e biológica. Suas proteínas refletem adaptações milenares que permitiram aos humanos sobreviver, digerir novos alimentos e preservar os dentes diante de desafios ambientais. Mais do que um simples fluido, ela é um testemunho molecular de como a evolução moldou nossa saúde, começando pela boca.

Leandro Sinis é biólogo, formado pela UFRJ, e atua como divulgador científico. Apaixonado por ciência e educação, busca tornar o conhecimento acessível de forma clara e responsável.