Vacinas de mRNA surpreendem ciência ao proteger músculos contra toxinas de serpentes

mRNA mostra proteção inédita contra danos causados por venenos de serpentes (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)
mRNA mostra proteção inédita contra danos causados por venenos de serpentes (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)

Quando se fala em picadas de serpentes, a maior urgência costuma ser impedir que o veneno se espalhe pelo corpo. No entanto, grande parte do estrago acontece logo no local da picada, onde toxinas altamente agressivas destruem o tecido muscular em poucas horas. Buscando alternativas capazes de atuar nessa região crítica, cientistas da Universidade de Reading e da Universidade Técnica da Dinamarca exploraram uma aplicação pouco convencional da tecnologia de mRNA e os primeiros resultados chamaram atenção.

A pesquisa, publicada na revista Trends in Biotechnology, investigou se moléculas de mRNA poderiam instruir células musculares a produzir anticorpos específicos contra componentes do veneno da Bothrops asper, uma das serpentes mais problemáticas da América Latina quando se fala em lesões graves e permanentes. Destaques da pesquisa:

  • Estratégia usa mRNA em nanopartículas lipídicas para gerar anticorpos no músculo;
  • Proteção local significativa contra toxinas isoladas e contra o veneno completo;
  • Resposta protetora observada entre 12 e 24 horas após a aplicação experimental;
  • Animais tratados apresentaram preservação estrutural do tecido muscular;
  • Possibilidade de uso complementar aos antivenenos já existentes.

Como a tecnologia reforça a defesa muscular

Tecnologia de mRNA pode reduzir lesões graves após picadas de cobra (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)
Tecnologia de mRNA pode reduzir lesões graves após picadas de cobra (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)

Os antivenenos tradicionais atuam principalmente na corrente sanguínea, neutralizando toxinas que já escaparam para o organismo. O grande problema é que eles não conseguem impedir totalmente a destruição localizada, onde as enzimas do veneno iniciam um ataque rápido às fibras musculares.

Com a aplicação do mRNA diretamente no músculo, o corpo passa a fabricar anticorpos naquele ponto, criando uma espécie de escudo local. Essa resposta não depende do transporte do antiveneno pelo sangue, o que amplia a chance de reduzir danos antes que eles se tornem irreversíveis.

Nos testes em laboratório, células musculares humanas tratadas com a tecnologia apresentaram menos marcadores de lesão, e animais que receberam a aplicação previamente tiveram o tecido preservado mesmo diante da exposição ao veneno.

Próximos desafios antes de chegar aos pacientes

Estudo revela avanço promissor no combate ao veneno da Bothrops asper (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)
Estudo revela avanço promissor no combate ao veneno da Bothrops asper (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)

Embora promissora, a estratégia ainda precisa vencer barreiras importantes. A produção de anticorpos leva algumas horas, o que limita a sua aplicação em situações em que o paciente já chega com sintomas intensos. Além disso, o método atual mira apenas uma toxina específica, enquanto o veneno real contém diversos componentes que também precisam ser bloqueados.

Outro ponto crítico envolve a logística: regiões rurais e remotas, onde a maioria das picadas ocorre, nem sempre possuem condições adequadas de armazenamento para produtos baseados em mRNA.As próximas etapas incluem desenvolver versões capazes de atingir múltiplas toxinas, testar a eficácia após a picada e adaptar a formulação para ambientes com pouca infraestrutura.

Leandro Sinis é biólogo, formado pela UFRJ, e atua como divulgador científico. Apaixonado por ciência e educação, busca tornar o conhecimento acessível de forma clara e responsável.