A relação entre vacinas e saúde neurológica ganhou um novo capítulo com um estudo robusto que analisou milhares de idosos no País de Gales.
A pesquisa, publicada na revista Nature e liderada por Pascal Geldsetzer, da Universidade Stanford, investigou os efeitos da vacina contra herpes-zóster para além da prevenção da própria infecção. O resultado chamou atenção: idosos vacinados apresentaram 20% menos risco de desenvolver demência após sete anos de acompanhamento.
Um cenário perfeito para testar uma hipótese arriscada
A campanha galesa de vacinação criada em 2013 acabou formando, de maneira involuntária, um experimento natural. Apenas pessoas com menos de 80 anos em uma data exata podiam receber a imunização, o que dividiu a população em dois grupos comparáveis.
A partir disso, o estudo seguiu mais de 280 mil idosos entre 71 e 88 anos, todos livres de demência no início da análise. A divisão rígida permitiu avaliar os efeitos da vacinação com maior precisão e mostrou uma diferença consistente no risco de diagnóstico ao longo dos anos.
Embora o benefício esperado fosse a queda de casos de herpes-zóster, que de fato diminuiu cerca de 37%, o dado mais impactante foi a redução de risco de demência. Mesmo após considerar fatores como escolaridade, presença de doenças crônicas ou adesão a outras vacinas, o padrão se manteve. O grupo vacinado teve menos diagnósticos de demência, o que sugere um possível papel imunológico na proteção cerebral.
Sinais de benefício até para quem já tem declínio cognitivo

Outra parte da pesquisa, publicada na revista Cell, também liderada por Pascal Geldsetzer, investigou o impacto da vacina em pessoas com declínio cognitivo já instalado. Os resultados indicaram efeitos positivos tanto na fase inicial quanto em casos avançados. Entre os idosos que já tinham demência no início do estudo, a proporção de mortes atribuídas diretamente à doença foi menor entre os vacinados, sugerindo uma progressão mais lenta.
Além disso, participantes imunizados apresentaram menor probabilidade de avançar para comprometimento cognitivo leve ao longo de nove anos. Esse conjunto de achados levanta a hipótese de potencial terapêutico, e não apenas preventivo.
Próximos passos da pesquisa
Para confirmar se esse fenômeno não era exclusivo do País de Gales, a equipe repetiu análises utilizando bancos de dados de outros países com programas semelhantes, incluindo Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia e Canadá. Os resultados foram semelhantes, reforçando a robustez do achado.
O próximo passo desejado pelos autores é um grande ensaio clínico randomizado, considerado o padrão mais alto de evidência. A vacina usada no estudo é de vírus vivo atenuado e já perdeu a patente, o que dificulta o financiamento, mas aumenta o interesse em investigar alternativas mais modernas, como formulações baseadas em proteínas virais.
Vale destacar que o herpes-zóster é causado pelo mesmo vírus da catapora, que permanece adormecido nas células nervosas por décadas. A hipótese de que vírus latentes possam contribuir para a demência vem ganhando força. Se confirmada, a estratégia de prevenção pode estar mais perto do que se imaginava, utilizando uma vacina já disponível e amplamente conhecida.

