Seu cérebro pode estar funcionando no horário errado sem você saber

Cérebro hiperativo à noite indica ritmo biológico atrasado. (Foto: Shisuka via Canva)
Cérebro hiperativo à noite indica ritmo biológico atrasado. (Foto: Shisuka via Canva)

Muitas pessoas sentem que a mente simplesmente não desacelera quando chega a noite. Mesmo cansado, o corpo tenta repousar enquanto o cérebro parece continuar em plena atividade. Embora isso pareça apenas um hábito difícil de controlar, novas evidências científicas mostram que essa dificuldade pode ter uma origem biológica mais profunda. 

Segundo um estudo publicado na Sleep Medicine por pesquisadores da Universidade da Austrália do Sul, o cérebro de quem sofre de insônia pode estar operando em um horário atrasado, como se ainda fosse dia.

O cérebro pode estar ignorando a noite

O estudo analisou como pensamentos e níveis de alerta variam ao longo do dia em adultos com e sem insônia crônica. Em um ambiente totalmente controlado, observou-se que pessoas com sono saudável reduzem naturalmente a intensidade cognitiva à medida que a noite se aproxima.quem tem insônia mantém uma atividade mental semelhante à da tarde, mesmo em fases em que o organismo deveria iniciar a desaceleração.

Esse padrão sugere que o cérebro está “preso” em um horário diurno, recebendo sinais internos incompatíveis com o ciclo natural de repouso.

Atraso no ritmo circadiano

Insônia pode surgir de um relógio interno desregulado. (Foto: Pexels via Canva)
Insônia pode surgir de um relógio interno desregulado. (Foto: Pexels via Canva)

O ponto mais marcante do estudo é o atraso de cerca de seis horas e meia no pico de atividade mental entre os participantes com insônia. Esse descompasso indica que o ritmo circadiano, sistema interno que regula processos de 24 horas, pode estar desalinhado. Em vez de preparar o cérebro para relaxar, o relógio biológico envia comandos que mantêm o estado de alerta ativo por muito mais tempo.

Esse atraso contribui para sintomas clássicos da insônia, como:
• pensamentos contínuos
• dificuldade de desligar preocupações
• sensação de alerta mesmo de madrugada
• demora para adormecer mesmo com sono

Além de dificultar o início do sono, esse estado prolongado de vigilância afeta a cognição, humor e o equilíbrio emocional.

Mecanismo importante para o tratamento

Os dados do estudo apontam que intervenções focadas apenas na hora de dormir podem ser insuficientes. Como o problema parece envolver um desalinhamento do relógio interno, estratégias diurnas passam a ter grande importância.

Fortalecer o ritmo circadiano pode ajudar o cérebro a sincronizar melhor seus níveis de atividade. Entre as práticas recomendadas estão:
• exposição à luz natural pela manhã
• rotina consistente de horários
• organização previsível das atividades diárias
• estratégias para acalmar a mente no período pré-sono
• redução de estímulos cognitivos no período noturno

Essas ações ajudam o cérebro a identificar com clareza quando é hora de estar alerta e quando deve iniciar o processo de descanso profundo.

Ao revelar que a insônia pode estar ligada a um atraso interno e não apenas ao excesso de pensamentos, o estudo amplia a compreensão do distúrbio. Ele também reforça a ideia de que o sono depende de uma coordenação precisa entre corpo e mente. Quando essa sincronia falha, mesmo um ambiente silencioso e escuro não é suficiente para induzir o repouso.

Descobrir que o cérebro funciona “fora do horário” pode ser o primeiro passo para desenvolver intervenções mais eficazes e personalizadas, ajudando milhões de pessoas a recuperar noites de descanso de forma mais natural.

Rafaela Lucena é farmacêutica, formada pela UNIG, e divulgadora científica. Com foco em saúde e bem-estar, trabalha para levar informação confiável e acessível ao público de forma clara e responsável.