Quasares agem como lentes gravitacionais e revelam massas ocultas de galáxias

Quasares-lentes revelam galáxias ocultas com precisão inédita. (Imagem: Gerada por IA/ Gemini)
Quasares-lentes revelam galáxias ocultas com precisão inédita. (Imagem: Gerada por IA/ Gemini)

No vasto universo, certos quasares desempenham um papel extraordinário: eles funcionam como lentes gravitacionais, curvando a luz de galáxias de fundo e permitindo medições precisas de massas que, de outra forma, seriam impossíveis. Até recentemente, apenas três sistemas confirmados eram conhecidos dentre quase 300.000 quasares catalogados, tornando essas descobertas extremamente raras e valiosas para a cosmologia.

Um novo estudo, publicado no arXiv e liderado por Everett McArthur, utilizou aprendizado de máquina para expandir drasticamente essa amostra, analisando mais de 812.000 quasares e identificando sete novos candidatos de alta qualidade, mais que dobrando a quantidade conhecida. Principais avanços do estudo:

  • Utilização de redes neurais treinadas com espectros simulados e reais;
  • Identificação de linhas de emissão de galáxias de fundo escondidas nos espectros de quasares;
  • Recuperação de sistemas previamente conhecidos, validando a técnica;
  • Determinação de raios de Einstein, fornecendo massa direta das galáxias hospedeiras;
  • Criação de um método aplicável a grandes bancos de dados astronômicos.

Como os quasares funcionam como lentes?

Quando uma galáxia distante se alinha quase perfeitamente atrás de um quasar, a gravidade intensa da galáxia hospedeira curva a luz da fonte de fundo. Isso produz múltiplas imagens distorcidas, geralmente tênues e difíceis de detectar devido ao brilho ofuscante do quasar.

Inteligência artificial identifica luz curvada por quasares distantes. (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)
Inteligência artificial identifica luz curvada por quasares distantes. (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)

A espectroscopia permite detectar essas lentes de maneira inovadora: se a luz da galáxia de fundo passa pelo mesmo fibra espectroscópica que o quasar, suas linhas de emissão surgem em um comprimento de onda maior devido ao redshift. Treinando redes neurais para reconhecer essas assinaturas sutis, os pesquisadores conseguiram diferenciar as características espectrais complexas dos quasares das indicações de lentes gravitacionais.

Redes neurais e simulações como inovação tecnológica 

Devido à raridade dos quasares-lentes, não era possível treinar a rede com milhares de exemplos reais. A solução foi criar lentes sintéticas realistas, combinando espectros de quasares reais do DESI (Dark Energy Spectroscopic Instrument) com espectros de galáxias mais distantes. Com cerca de 3.000 lentes simuladas e 30.000 espectros de quasares comuns, a rede neural alcançou uma precisão quase perfeita (AUC 0,99).

Essas lentes gravitacionais oferecem uma ferramenta única para estudar a coevolução de buracos negros supermassivos e suas galáxias hospedeiras. Medir o raio de Einstein permite determinar a massa da galáxia sem o efeito ofuscante do próprio quasar. Além disso, a técnica pode ser aplicada a grandes bancos de dados, abrindo portas para a descoberta de ainda mais quasares-lentes raros.

Ao unir inteligência artificial e espectroscopia, este estudo representa um avanço significativo na astronomia observacional, mostrando que a tecnologia moderna pode revelar fenômenos cósmicos que antes eram quase invisíveis.

Leandro Sinis é biólogo, formado pela UFRJ, e atua como divulgador científico. Apaixonado por ciência e educação, busca tornar o conhecimento acessível de forma clara e responsável.