Proteínas que se “dobram errado” podem destruir o cérebro

Príons causam danos neuronais e alterações comportamentais. (Foto: Gemini Studio via Canva)
Príons causam danos neuronais e alterações comportamentais. (Foto: Gemini Studio via Canva)

As doenças priônicas são incomuns, mas extremamente perigosas, pois afetam diretamente o cérebro. A forma mais conhecida nos seres humanos é a doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ), que provoca alterações de memória, mudanças de comportamento e perda de coordenação motora. Sua progressão é rápida e não há cura atualmente, tornando essencial a detecção precoce e a vigilância constante.

O elemento central dessas doenças é que o agente causador não é um vírus nem uma bactéria, mas sim uma proteína mal dobrada que consegue forçar outras proteínas normais a se dobrarem de maneira incorreta. Esse fenômeno cria um efeito dominó molecular, que se espalha no cérebro causando danos irreversíveis.

O mecanismo de destruição cerebral

  • Todos possuem a proteína priônica normal (PrPC) no cérebro.
  • Sob certas condições, parte dela se transforma na PrPSc, a forma patológica.
  • A proteína mal dobrada serve como molde, convertendo proteínas saudáveis em tóxicas.
  • Agregados rígidos se formam, criando lesões microscópicas semelhantes a esponjas no tecido cerebral.
  • O resultado é morte neuronal e perda progressiva das funções cognitivas e motoras.

Essas proteínas resistem a desinfetantes comuns, por isso hospitais aplicam protocolos de esterilização específicos para prevenir contaminação em procedimentos de risco.

Diagnóstico moderno e testes inovadores

Proteínas mal dobradas atacam o cérebro humano. (Foto: Photo Library via Canva)
Proteínas mal dobradas atacam o cérebro humano. (Foto: Photo Library via Canva)

Tradicionalmente, a DCJ só podia ser confirmada após a morte, por meio da análise do tecido cerebral. Recentemente, surgiram métodos capazes de detectar a doença em vida, como o teste RT-QuIC, que identifica a presença do príon em amostras de líquor:

  • Alta sensibilidade e especificidade;
  • Reconhecido internacionalmente como critério para classificar casos prováveis;
  • Implantado em centros de referência no Brasil, incluindo a UFRJ, fortalecendo a vigilância nacional.

O RT-QuIC permite diagnósticos mais rápidos, aproximando a prática clínica da confirmação laboratorial e facilitando respostas em saúde pública.

Pesquisas promissoras e terapias em desenvolvimento

Estudos recentes exploram substâncias capazes de interromper a agregação de proteínas mal dobradas. Um exemplo é o extrato da Moringa oleífera, rico em ácido clorogênico e ácido neoclorogênico, que mostrou potencial para:

  • Prevenir a transformação da proteína normal em patológica;
  • Reduzir agregados já formados, abrindo caminho para novas terapias.

Publicações no ACS Omega sugerem que esses compostos podem inspirar medicamentos inovadores para tratar doenças priônicas e outras condições neurodegenerativas.

Impacto global e colaboração internacional

O Príon 2025, congresso internacional que será realizado em Búzios, reunirá especialistas para discutir:

  • Mecanismos moleculares e terapias em desenvolvimento;
  • Estratégias de diagnóstico precoce e vigilância epidemiológica;
  • Integração com associações de apoio a pacientes, aproximando ciência e sociedade.

Doenças priônicas não afetam apenas a saúde individual, mas também têm impactos econômicos e sociais, como demonstrou a interrupção temporária das exportações de carne para a China após um caso de encefalopatia bovina.

Príons e neurociência do futuro

Pesquisas indicam que mecanismos semelhantes aos das doenças priônicas aparecem em Alzheimer, Parkinson, ELA e até em certos tipos de câncer. Esse comportamento “príon-like” redefine a compreensão sobre como proteínas instáveis podem propagar disfunções e abre caminho para estratégias terapêuticas inovadoras.

O Brasil, com centros de referência e pesquisas pioneiras, está na linha de frente global, aproximando laboratório e prática clínica e fortalecendo a vigilância contra essas doenças raras e destrutivas.

Rafaela Lucena é farmacêutica, formada pela UNIG, e divulgadora científica. Com foco em saúde e bem-estar, trabalha para levar informação confiável e acessível ao público de forma clara e responsável.