Moléculas da vida podem nascer em grãos de poeira no espaço profundo

Poeira cósmica revela reação que forma moléculas essenciais à vida (Imagem: Gerada por IA/ Gemini)
Poeira cósmica revela reação que forma moléculas essenciais à vida (Imagem: Gerada por IA/ Gemini)

A descoberta de que grãos de poeira cósmica podem impulsionar reações químicas complexas está redefinindo a forma como entendemos a origem dos primeiros blocos da vida no universo. Uma pesquisa publicada no The Astrophysical Journal revela que essas partículas microscópicas, antes consideradas meros resíduos estelares, atuam como superfícies altamente reativas capazes de gerar moléculas orgânicas mesmo em temperaturas próximas de –190 °C.

Logo no início do estudo, conduzido por equipes da Heriot-Watt University, da Friedrich Schiller University Jena e da University of Virginia, ficou claro que os grãos de poeira não são passivos. Eles criam microambientes ideais para uma química que antes parecia impossível. Entre os destaques da investigação:

  • Reações ocorrendo a temperaturas extremamente baixas, simulando regiões de nuvens moleculares;
  • Formação acelerada de carbamato de amônio, composto-chave para moléculas mais complexas;
  • Catálise ácido-base detectada em condições espaciais, algo nunca observado em experimentos semelhantes;
  • Estruturas porosas que aumentam drasticamente a área reativa dos grãos;
  • Indícios de que essa química pode ocorrer em discos protoplanetários e sistemas jovens.

Superfícies geladas que transformam moléculas simples

Grãos interestelares funcionam como microreatores no frio extremo (Imagem: NunDigital via Canva)
Grãos interestelares funcionam como microreatores no frio extremo (Imagem: NunDigital via Canva)

Os testes laboratoriais reproduziram ambientes típicos do espaço profundo, com camadas finas de gelo formadas por dióxido de carbono e amônia depositadas sobre partículas porosas de silicato de magnésio. Quando os pesquisadores elevaram a temperatura até o equivalente a –190 °C, as moléculas começaram a migrar pelos poros e a reagir, produzindo rapidamente carbamato de amônio, precursor de compostos orgânicos essenciais.

Esse processo ficou ainda mais evidente quando os cientistas variaram a espessura da camada de poeira. A conversão máxima ocorreu por volta de 100 nanômetros, mostrando que existe um equilíbrio delicado entre área reativa e capacidade de difusão. Camadas mais espessas dificultam o movimento das moléculas; camadas muito finas reduzem a superfície catalítica.

Um motor químico oculto nas regiões mais frias do cosmos

Nova descoberta mostra química vital acontecendo em gelo espacial (Imagem: NunDigital via Canva)
Nova descoberta mostra química vital acontecendo em gelo espacial (Imagem: NunDigital via Canva)

A importância dessa reação vai além do composto produzido. O mecanismo observado demonstra que a evolução molecular pode começar muito antes da formação de planetas, em ambientes frios que antes pareciam quimicamente estagnados. A poeira funciona como um motor microscópico, ativando reações em locais onde o calor e a radiação solar são praticamente inexistentes.

Esse entendimento muda a forma como modelos astroquímicos são construídos, que agora precisam considerar a catálise em superfícies sólidas como parte essencial da produção de moléculas orgânicas no espaço. Observações recentes do James Webb Space Telescope reforçam esse cenário ao detectar carbamato de amônio em sistemas estelares jovens, sugerindo que essa química é comum na galáxia.

Se grãos de poeira podem desencadear reações que criam compostos nitrogenados e carbonados complexos, isso significa que a química pré-biótica pode ser muito mais comum do que se imaginava. À medida que esses grãos se incorporam a cometas, asteroides ou discos protoplanetários, carregam consigo moléculas essenciais que podem atingir mundos jovens e favorecer o surgimento da vida.

Leandro Sinis é biólogo, formado pela UFRJ, e atua como divulgador científico. Apaixonado por ciência e educação, busca tornar o conhecimento acessível de forma clara e responsável.