Memória em vidro que guarda dados por bilhões de anos pode mudar os data centers de IA

Vidro pode armazenar dados por bilhões de anos sem gastar energia (Imagem: SPhotonix/Reprodução)
Vidro pode armazenar dados por bilhões de anos sem gastar energia (Imagem: SPhotonix/Reprodução)

Grande parte do esforço dos data centers modernos não está em criar novos dados, mas em evitar que informações antigas se percam. Migrações constantes de mídia, consumo energético elevado e degradação física fazem do armazenamento de longo prazo um problema silencioso, porém crescente. É nesse cenário que surge uma proposta radical: usar vidro como suporte definitivo para preservar dados digitais.

A chamada memória em vidro 5D representa uma mudança conceitual no arquivamento. Em vez de confiar em magnetismo ou cargas elétricas, a tecnologia grava informações diretamente na estrutura interna da sílica fundida, um material conhecido por sua estabilidade química e resistência extrema ao tempo. Logo nos primeiros testes fora do ambiente acadêmico, três vantagens ficam evidentes:

  • Retenção de dados sem energia elétrica;
  • Capacidade muito acima das mídias ópticas tradicionais;
  • Resistência a calor, radiação e campos eletromagnéticos.

Como dados são escritos dentro do vidro?

Nova memória em vidro promete revolucionar o arquivamento digital (Imagem: SPhotonix/Reprodução)
Nova memória em vidro promete revolucionar o arquivamento digital (Imagem: SPhotonix/Reprodução)

O processo de gravação utiliza lasers de femtossegundo, capazes de modificar o vidro em escala nanométrica sem comprometer sua integridade. Essas alterações formam padrões ópticos permanentes que funcionam como unidades de informação. O termo “5D” descreve a forma como os dados são codificados:

  • três dimensões espaciais (x, y e z);
  • orientação das nanostruturas;
  • intensidade óptica associada a cada ponto.

Durante a leitura, sistemas ópticos analisam como a luz polarizada se comporta ao atravessar essas regiões modificadas, reconstruindo os dados com alta fidelidade.

Densidade que muda a lógica do arquivamento

Um único disco de vidro com cerca de 5 polegadas pode concentrar até 360 terabytes, o que torna essa tecnologia especialmente atrativa para o armazenamento de dados frios, que raramente precisam ser acessados, mas exigem preservação absoluta. 

Por isso, setores que acumulam grandes volumes históricos surgem como os principais candidatos à adoção, incluindo ciência e pesquisa de longo prazo, arquivos governamentais, saúde e dados regulatórios, além da preservação cultural e audiovisual.

Durabilidade em escala cosmológica

Tecnologia grava dados em vidro com durabilidade quase eterna (Imagem: SPhotonix/Reprodução)
Tecnologia grava dados em vidro com durabilidade quase eterna (Imagem: SPhotonix/Reprodução)

Testes de envelhecimento acelerado indicam que o vidro pode preservar informações por bilhões de anos, um intervalo comparável à idade estimada do universo. Na prática, isso significa que o fator limitante deixa de ser o material e passa a ser o próprio acesso tecnológico futuro.

Outro ponto crucial é o consumo energético nulo para retenção. Diferentemente de data centers tradicionais, o vidro não exige energia para manter os dados íntegros, o que reduz custos e impacto ambiental.

Limitações atuais e horizonte tecnológico

O principal desafio ainda está na velocidade de leitura e gravação, hoje inferior à de HDDs e SSDs. No entanto, avanços em óptica paralela e automação já fazem parte do roadmap técnico, com expectativa de ganhos relevantes nos próximos anos.

Os custos iniciais também são elevados, posicionando a memória em vidro como uma solução corporativa e institucional neste primeiro momento.Se confirmada em escala real, a memória em vidro redefine o conceito de preservação digital. Em vez de pensar em ciclos de substituição, passa-se a falar em continuidade do conhecimento ao longo de eras. Nesse contexto, o desafio não é apenas tecnológico, mas também cultural: garantir que, no futuro distante, ainda exista quem saiba ler o que foi escrito para durar praticamente para sempre.

Leandro Sinis é biólogo, formado pela UFRJ, e atua como divulgador científico. Apaixonado por ciência e educação, busca tornar o conhecimento acessível de forma clara e responsável.