Líquens escuros enganam satélites e ocultam vegetação real na Antártica

Líquens escuros causam subestimação da vegetação na Antártica. (Imagem: Gerada por IA/ Gemini)
Líquens escuros causam subestimação da vegetação na Antártica. (Imagem: Gerada por IA/ Gemini)

Em um dos ambientes mais extremos do planeta, onde cada forma de vida conta, um novo estudo mostrou que parte da vegetação da Antártica simplesmente não aparece nos mapas oficiais. A pesquisa, publicada na revista The Innovation, indica que líquens de coloração escura estão enganando os sensores ópticos, levando a uma subestimação significativa da cobertura vegetal do continente.

Ao analisar dados geoespaciais e observações de campo, a equipe responsável identificou que regiões repletas desses líquens, muitos deles quase indistinguíveis do terreno rochoso, são classificadas pelos sistemas tradicionais como áreas sem vida. Esse erro altera diagnósticos ambientais e compromete o entendimento sobre a dinâmica dos ecossistemas polares.

  • Sensores ópticos confundem líquens escuros com solo exposto;
  • Regiões com maior proporção desses líquens apresentam subestimação mais severa;
  • Em algumas áreas, a vegetação real é até 90% líquens, mas não detectada;
  • A distorção afeta comparações entre diferentes regiões do continente;
  • Modelos atuais precisam de ajustes para reduzir o viés espectral no mapeamento.

Como o erro se espalha pelos mapas da Antártica

O problema se manifesta de forma mais evidente nas ilhas Shetland do Sul, onde a vegetação chega a ser subestimada em mais de 30%. Nesses locais, líquens escuros representam quase três quartos da discrepância. Já na Península Antártica, em latitudes mais elevadas, esses organismos chegam a compor a maior parte da vida terrestre, mas permanecem invisíveis aos índices espectrais convencionais.

Sensores ópticos falham ao detectar líquens em regiões polares. (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)
Sensores ópticos falham ao detectar líquens em regiões polares. (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)

Esse padrão se intensifica à medida que os líquens escurecem, criando um viés sistemático: quanto mais escura a comunidade vegetal, maior o erro. Na média continental, esses líquens representam mais da metade das comunidades registradas, com proporções que ultrapassam 80% nas regiões mais frias.

Por que a “vegetação invisível” importa?

A predominância de líquens escuros e a incapacidade dos sensores de reconhecê-los criam uma percepção errada do mosaico ecológico da Antártica. Isso afeta diretamente estudos de resiliência ecológica, análises de mudanças climáticas, avaliações de biodiversidade e projeções sobre o avanço ou retração da vegetação ao longo dos anos.

Como muitas áreas dependem exclusivamente de mapeamentos remotos, esse viés impede comparações consistentes entre regiões e pode levar a interpretações equivocadas sobre o impacto do aquecimento global nos ecossistemas polares.

O próximo passo para enxergar a Antártica com precisão

Os pesquisadores sugerem que o futuro do monitoramento vegetal no continente deve incluir modelos mais sensíveis às assinaturas espectrais dos líquens escuros, além de campanhas de longo prazo em áreas de alta concentração desses organismos. Isso permitiria corrigir distorções, aprimorar algoritmos e gerar mapas mais fiéis à realidade.

A Antártica, embora pareça um deserto branco e estéril, abriga comunidades surpreendentes e parte delas está escondida aos nossos olhos tecnológicos. Corrigir essa lacuna é essencial para compreender como a vida resiste e se transforma no ambiente mais desafiador da Terra.

Leandro Sinis é biólogo, formado pela UFRJ, e atua como divulgador científico. Apaixonado por ciência e educação, busca tornar o conhecimento acessível de forma clara e responsável.