Genomas caninos revelam contribuições recentes do DNA de lobos selvagens

Raças modernas ainda carregam traços genéticos de lobos. (Foto: Oksana Latysheva via Canva)
Raças modernas ainda carregam traços genéticos de lobos. (Foto: Oksana Latysheva via Canva)

A aparência dócil de muitas raças pode enganar: mesmo os cães mais pequenos carregam em seu DNA marcas que apontam para uma ligação direta com lobos selvagens. Uma investigação genética conduzida por equipes de instituições como o Smithsonian e o American Museum of Natural History analisou milhares de genomas e mostrou que a presença de DNA de lobo é muito mais comum, e mais recente, do que se supunha. 

O achado reacende o debate sobre como a domesticação realmente aconteceu e como essa herança influencia o comportamento e as características físicas dos cães atuais.

A surpreendente presença de DNA lupino em cães modernos

Segundo a análise liderada pela pesquisadora Audrey Lin, cerca de 64% das raças domésticas avaliadas apresentaram algum nível detectável de material genético oriundo de lobos. Esse número desafia modelos anteriores da evolução canina que sugeriam que a separação entre cães e lobos teria ocorrido de forma tão distinta que não permitiria mistura recente.

Os resultados apontam que a contribuição genética não está limitada a raças grandes ou de trabalho. Ela aparece também em cães de pequeno porte, demonstrando que trocas genéticas ocorreram em momentos específicos da história, em diferentes regiões do mundo.

Como essa mistura pode ter acontecido

Vestígios de DNA lupino influenciam tamanho e instintos. (Foto: Getty Images via Canva)
Vestígios de DNA lupino influenciam tamanho e instintos. (Foto: Getty Images via Canva)

Embora cães e lobos tenham se separado evolutivamente há cerca de 20 mil anos, os pesquisadores identificaram indícios de interações mais recentes entre as espécies. Esses cruzamentos eventuais teriam ocorrido em locais onde cães semi-selvagens conviviam livremente próximos a áreas habitadas por lobos.

Entre os grupos mais relacionados a essa troca genética estão os chamados cães de aldeia, animais que circulam entre ambientes humanos e naturais com menos controle reprodutivo. Esses cães provavelmente serviram como elo de ligação entre populações domésticas e selvagens ao longo dos séculos.

A herança lupina e seus reflexos no comportamento

Ao cruzar características comportamentais descritas por criadores com os padrões genômicos, os pesquisadores identificaram tendências consistentes. Raças com menor influência de DNA de lobo costumam ser descritas como sociáveis, maleáveis e voltadas à cooperação humana. Já aquelas com porcentagens maiores tendem a apresentar independência, territorialidade e maior desconfiança de desconhecidos.

Embora isso não defina o comportamento individual de um cão, mostra que a genética ancestral ainda exerce algum impacto em traços populacionais.

O que essa descoberta significa para os tutores

Para quem convive com cães, o resultado não muda o cuidado cotidiano, mas amplia a compreensão sobre a complexidade evolutiva desses animais. A jornada dos cães envolve domesticação, convivência com humanos, adaptações ambientais e, ocasionalmente, reencontros com seus parentes selvagens.

Mesmo o cão que dorme no sofá mantém dentro de si combinações genéticas moldadas pela natureza e pela convivência com os humanos. Essa dualidade ajuda a explicar a enorme diversidade de raças, comportamentos e habilidades.

Uma história que continua a ser escrita

O estudo reforça que a evolução dos cães não foi um processo linear. Ela envolve encontros, separações, adaptações e misturas ao longo de milhares de anos. Entender essa trajetória não apenas esclarece a biologia dos cães, mas também revela partes importantes da própria história humana, já que ambas as espécies caminham juntas desde tempos remotos.

Rafaela Lucena é farmacêutica, formada pela UNIG, e divulgadora científica. Com foco em saúde e bem-estar, trabalha para levar informação confiável e acessível ao público de forma clara e responsável.