Estudo revela que vacinas da Covid potencializam combate a câncer resistente

Vacinas de mRNA reprogramam o sistema imune contra tumores. (Foto: Getty Images via Canva)
Vacinas de mRNA reprogramam o sistema imune contra tumores. (Foto: Getty Images via Canva)

Pesquisas recentes estão transformando nossa visão sobre as vacinas de mRNA contra a Covid-19, mostrando que seu efeito vai muito além da proteção viral. Estudos do MD Anderson Cancer Center e da Universidade da Flórida, publicados na revista Nature, indicam que essas vacinas podem “reprogramar” o sistema imune, tornando tumores resistentes mais sensíveis às imunoterapias.

O achado é particularmente relevante para pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas (NSCLC) e melanoma metastático, que muitas vezes não respondem bem aos tratamentos convencionais. Ao estimular o sistema imunológico, as vacinas de mRNA parecem transformar tumores “frios” em “quentes”, aumentando significativamente a eficácia das drogas de bloqueio de pontos de checagem, como anti-PD-1 e anti-PD-L1.

Como o mRNA “desperta” o sistema imunológico

O mecanismo identificado pelos pesquisadores envolve uma onda de interferon tipo I, molécula fundamental para a defesa do corpo. Esse processo:

  • Ativa células apresentadoras de antígenos, como macrófagos e células dendríticas
  • Exibe fragmentos de proteínas tumorais aos linfócitos T
  • Potencializa a identificação e ataque às células cancerígenas

Além disso, as vacinas de mRNA aumentam a expressão de PD-L1 nos tumores, que é um ponto central da imunoterapia.

O que é PD-L1?

Mais PD-L1 nos tumores melhora resposta ao tratamento. (Foto: Getty Images via Canva)
Mais PD-L1 nos tumores melhora resposta ao tratamento. (Foto: Getty Images via Canva)

O PD-L1 (Programmed Death-Ligand 1) é uma proteína que as células usam para se proteger do sistema imunológico. Em tumores, o PD-L1 atua como uma “capa de invisibilidade”, impedindo que os linfócitos T reconheçam e ataquem as células cancerígenas.

Curiosamente, quando há mais PD-L1 no tumor e o paciente recebe imunoterapia (como anti-PD-1 ou anti-PD-L1), o alvo fica mais claro para o medicamento, permitindo que o sistema imune ataque as células tumorais de forma mais eficaz. Em outras palavras, a vacina ajuda o corpo a enxergar melhor o tumor, tornando o tratamento mais efetivo.

Resultados clínicos que impressionam

A pesquisa analisou mais de 880 pacientes, mostrando ganhos expressivos:

  • Sobrevida mediana em câncer de pulmão avançado: de 20,6 para 37,3 meses
  • Aumento na taxa de sobrevivência em três anos: de 30,8% para 55,7%
  • Redução de quase 60% no risco de morte em melanoma metastático

Esse efeito não foi observado em pacientes que receberam vacinas contra influenza ou pneumonia, destacando que o benefício é específico da tecnologia de mRNA.

Implicações para a oncologia de precisão

Embora as vacinas de Covid não tratem diretamente o câncer, seu potencial como modulador imune abre novas perspectivas. Pesquisadores sugerem que futuras estratégias podem combinar vacinas de mRNA com imunoterapia, especialmente para tumores que não respondem bem aos tratamentos atuais.

O estudo também identifica um ponto crucial: o momento da vacinação é determinante. Quanto mais recente e robusta a imunidade, maior a resposta do sistema imunológico às terapias subsequentes.

Futuro promissor para pacientes e pesquisadores

Esta descoberta pode redefinir protocolos oncológicos, oferecendo uma ferramenta adicional para driblar resistências intrínsecas e aumentar a eficácia das terapias atuais. 

Embora mais estudos sejam necessários, a ciência já demonstra que as vacinas de mRNA podem se tornar aliadas estratégicas no combate ao câncer, abrindo um caminho promissor para a medicina personalizada.

Rafaela Lucena é farmacêutica, formada pela UNIG, e divulgadora científica. Com foco em saúde e bem-estar, trabalha para levar informação confiável e acessível ao público de forma clara e responsável.