Estudo mostra como o esgoto esconde genes que podem criar superbactérias

Esgoto revela genes com potencial para virar superbactérias. (Foto: Getty Images via Canva)
Esgoto revela genes com potencial para virar superbactérias. (Foto: Getty Images via Canva)

Uma descoberta recente publicada na Nature Communications revelou que genes latentes que podem gerar resistência a antibióticos estão amplamente distribuídos em sistemas de esgoto ao redor do mundo. Esses elementos genéticos ainda não causam impacto direto, mas possuem características que podem facilitar o surgimento de superbactérias no futuro.

O estudo, conduzido pelo DTU National Food Institute, avaliou amostras de diferentes continentes e chamou atenção para um perigo que não está nas clínicas, mas no subsolo das cidades.

A maior análise já feita em águas residuais

A equipe responsável examinou 1.240 amostras de esgoto coletadas entre 2016 e 2021, abrangendo 351 cidades em 111 países. Essa base robusta permitiu mapear dois grupos principais de genes associados à resistência antimicrobiana:

  • Genes de resistência adquirida, já capazes de diminuir a eficácia de antibióticos atualmente usados.
  • Genes de resistência latente, elementos genéticos ainda inativos, mas com potencial para serem ativados e favorecer mutações perigosas.

Os resultados revelaram algo surpreendente: os genes considerados “adormecidos” são mais numerosos do que os já ativos, indicando um reservatório biológico subestimado.

Por que esses genes podem gerar futuras superbactérias?

A resistência antimicrobiana acontece quando bactérias passam a sobreviver mesmo diante de medicamentos projetados para destruí-las. Esse fenômeno, segundo a OMS, é uma das maiores ameaças de saúde pública da atualidade.

Embora os genes latentes não tenham demonstrado, até o momento, capacidade natural de se espalhar entre bactérias fora do laboratório, eles carregam estruturas que podem evoluir e se tornar novos mecanismos de defesa bacteriana.

Vários fatores favorecem esse processo evolutivo, como:

  • Exposição repetida a antibióticos.
  • Contaminação do ambiente por resíduos farmacêuticos.
  • Uso indiscriminado de desinfetantes e biocidas.

Os sistemas de esgoto, por reunirem microrganismos humanos, animais e ambientais, se tornam um ponto de encontro ideal para combinações genéticas, aumentando as chances de surgirem formas resistentes.

A técnica que revelou genes ocultos no esgoto

Estudo encontra DNA com potencial antimicrobiano emergente. (Foto: Swannar Kawila via Canva)
Estudo encontra DNA com potencial antimicrobiano emergente. (Foto: Swannar Kawila via Canva)

Para identificar os genes latentes, os pesquisadores utilizaram a metagenômica funcional, uma abordagem que consiste em extrair fragmentos de DNA diretamente do ambiente e observar como eles se comportam em testes laboratoriais. Caso uma bactéria sobreviva após receber esse DNA, significa que ele possui algum nível de resistência.

Essa estratégia permitiu aos cientistas enxergar além dos genes já conhecidos e mapear um vasto conjunto de elementos com potencial para evoluir no futuro.

Monitorar o esgoto pode antecipar crises globais

A pesquisa defende que o acompanhamento contínuo das águas residuais é essencial para entender e antecipar o comportamento da resistência antimicrobiana. O esgoto funciona como um espelho da saúde coletiva e oferece informações rápidas e abrangentes sobre possíveis ameaças biológicas.

Entre os benefícios desse monitoramento estão:

  • Identificação precoce de tendências de resistência.
  • Direcionamento de políticas de saúde pública.
  • Desenvolvimento mais estratégico de novos antibióticos.
  • Prevenção de surtos que poderiam surgir inesperadamente.

A análise reforça que o problema não está apenas nas infecções já resistentes, mas em um reservatório global de genes latentes que permanece invisível aos olhos da população.

Rafaela Lucena é farmacêutica, formada pela UNIG, e divulgadora científica. Com foco em saúde e bem-estar, trabalha para levar informação confiável e acessível ao público de forma clara e responsável.