Desconforto digestivo: por que cortar glúten nem sempre resolve

Evitar glúten só é essencial para doença celíaca. (Foto: Getty Images via Canva)
Evitar glúten só é essencial para doença celíaca. (Foto: Getty Images via Canva)

Nos últimos anos, eliminar o glúten se tornou tendência, associada à melhora da digestão e desempenho físico. No entanto, estudos recentes mostram que, para grande parte das pessoas que sentem desconforto após consumir trigo, o glúten raramente é o verdadeiro causador.

A realidade é mais complexa: interações entre o intestino, a microbiota, nutrientes e fatores emocionais podem ser responsáveis pelos sintomas, enquanto a própria crença de que o glúten faz mal intensifica o desconforto.

Fatores alimentares por trás dos sintomas

Muitos indivíduos atribuem dor abdominal, inchaço e alterações digestivas ao glúten, mas pesquisas indicam que carboidratos fermentáveis chamados FODMAPs podem ser os verdadeiros responsáveis.

  • Frutanos, presentes no trigo, cebola e alho, causam inchaço e gases.
  • Reduzir FODMAPs na dieta melhora sintomas mesmo com reintrodução de glúten.
  • Outros elementos do trigo ou alimentos ultraprocessados também podem influenciar negativamente a digestão.

Portanto, sentir-se melhor ao cortar glúten pode refletir redução de FODMAPs, alimentos processados e melhora da qualidade geral da dieta.

O que são FODMAPs?

FODMAPs podem causar mais desconforto que o glúten. (Foto: Getty Images via Canva)
FODMAPs podem causar mais desconforto que o glúten. (Foto: Getty Images via Canva)

FODMAPs é um acrônimo em inglês para Fermentable Oligosaccharides, Disaccharides, Monosaccharides And Polyols, ou seja, oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis fermentáveis.

Esses são carboidratos de cadeia curta que algumas pessoas têm dificuldade de digerir. Quando chegam ao intestino grosso, são fermentados pelas bactérias intestinais, produzindo gases e atraindo água, o que pode causar:

  • Inchaço abdominal
  • Gases
  • Dor ou desconforto abdominal
  • Diarreia ou prisão de ventre

Tipos de FODMAPs

  1. Oligossacarídeos (frutanos e galactanos)
    • Frutanos: trigo, centeio, cebola, alho
    • Galactanos: feijão, lentilha, grão-de-bico
  2. Dissacarídeos (lactose)
    • Presente em leite, queijos frescos, iogurte
  3. Monossacarídeos (frutose em excesso)
    • Mel, maçã, manga, melancia
  4. Polióis (sorbitol, manitol, xilitol, maltitol)
    • Presentes em frutas como ameixa, pêssego, e em adoçantes artificiai

Por que FODMAPs causam sintomas?

  • Fermentação bacteriana: gera gases como hidrogênio, dióxido de carbono e metano.
  • Atração de água para o intestino: provoca distensão abdominal e diarreia em pessoas sensíveis.
  • Hipersensibilidade intestinal: pessoas com síndrome do intestino irritável (SII) podem sentir dor mesmo com pequenas quantidades de FODMAPs.

Dieta baixa em FODMAPs

Dieta baixa em FODMAPs alivia gases e inchaço abdominal. (Foto: Getty Images via Canva)
Dieta baixa em FODMAPs alivia gases e inchaço abdominal. (Foto: Getty Images via Canva)

Uma dieta com baixo teor de FODMAPs é usada principalmente para pessoas com síndrome do intestino irritável ou desconforto digestivo não explicado.

Etapas principais:

  1. Eliminação: cortar alimentos ricos em FODMAPs por 4–6 semanas.
  2. Reintrodução gradual: cada grupo de FODMAP é reintroduzido separadamente, para identificar quais causam sintomas.
  3. Manutenção personalizada: a dieta final mantém apenas os alimentos que provocam sintomas, evitando restrições desnecessárias.

A influência da mente e da expectativa

O eixo intestino-cérebro mostra que o que sentimos não depende apenas do que comemos.

  • Pessoas que esperam desconforto após comer trigo podem sentir dor ou inchaço reais, mesmo sem glúten.
  • Estudos demonstram que emoções e atenção ao intestino amplificam sinais digestivos normais.
  • Este efeito, conhecido como nocebo, reforça a ideia equivocada de intolerância ao glúten.

Reconhecer esse fator psicológico ajuda a entender por que muitas pessoas continuam a evitar glúten mesmo sem necessidade.

Estratégias seguras para investigar sintomas

Para avaliar a verdadeira causa do desconforto digestivo, recomenda-se uma abordagem gradual:

  • Descartar doença celíaca e alergia ao trigo com exames médicos.
  • Ajustar a dieta geral, priorizando fibras, frutas, legumes e alimentos nutritivos.
  • Testar uma dieta com baixo FODMAP se os sintomas persistirem.
  • Realizar teste sem glúten supervisionado, seguido de reintrodução estruturada.

Combinar mudanças alimentares com suporte psicológico ou terapias comportamentais pode reduzir a ansiedade alimentar e facilitar a ingestão segura de alimentos antes evitados.

Evitar glúten é essencial apenas para quem tem doença celíaca, mas para a maioria, ajustes na dieta e atenção à mente e intestino produzem resultados mais efetivos.

Focar em alimentos nutritivos, redução de FODMAPs e gestão do eixo intestino-cérebro ajuda a aliviar sintomas e evita restrições desnecessárias, promovendo bem-estar digestivo e qualidade de vida.

Rafaela Lucena é farmacêutica, formada pela UNIG, e divulgadora científica. Com foco em saúde e bem-estar, trabalha para levar informação confiável e acessível ao público de forma clara e responsável.