Descoberta revela por que a Via Láctea tem duas “famílias” de estrelas

Fluxos de gás revelam a verdadeira origem química da Via Láctea (Imagem: Gerada por IA/ Gemini)
Fluxos de gás revelam a verdadeira origem química da Via Láctea (Imagem: Gerada por IA/ Gemini)

A formação da Via Láctea está longe de ser uma história linear. Um novo trabalho publicado no Monthly Notices of the Royal Astronomical Society mostra que o passado da galáxia é mais complexo e muito mais dinâmico do que se imaginava. Pesquisadores analisaram simulações avançadas da série Auriga e descobriram que a intrigante bimodalidade química, ou seja, a presença de dois grupos distintos de estrelas com composições diferentes, não depende necessariamente de colisões entre galáxias.

Logo no início do estudo, os especialistas perceberam que sequências químicas separadas podem surgir de múltiplos caminhos evolutivos. Para facilitar a compreensão, alguns pontos se destacam:

  • O ferro (Fe) e o magnésio (Mg) são essenciais para identificar grupos estelares;
  • As duas sequências químicas aparecem como “duas trilhas” em diagramas de abundância;
  • A formação dessas trilhas não exige fusões dramáticas com outras galáxias;
  • Fluxos de gás pobre em metais são decisivos para criar a segunda sequência estelar;
  • A história de formação de estrelas determina o formato final dessas assinaturas químicas.

Caminhos galácticos que se bifurcam

Nova análise expõe como a galáxia formou duas populações de estrelas (Imagem: Gerada por IA/ Gemini)
Nova análise expõe como a galáxia formou duas populações de estrelas (Imagem: Gerada por IA/ Gemini)

Em vez de depender exclusivamente de choques com galáxias menores, como a Gaia-Salsicha-Enceladus, o estudo conduzido por Matthew Orkney e colaboradores mostra que a Via Láctea pode desenvolver sua dupla assinatura química por meio de mecanismos variados. Em muitos casos, períodos intensos de formação estelar são seguidos por fases de calmaria, criando a primeira sequência. Posteriormente, a chegada de gás circungaláctico renovado alimenta o surgimento de uma segunda geração de estrelas com padrões químicos diferentes.

O papel decisivo do gás circungaláctico

As simulações revelaram que o CGM (meio circungaláctico) funciona como um reservatório de gás mais primitivo. Quando esse material retorna ao disco galáctico, ele dilui a composição local e favorece o nascimento de estrelas com menor teor de metais. Essa reposição contínua explica a separação clara entre as duas populações, sem exigir grandes colisões como gatilho.

Com o avanço de missões como JWST, PLATO e Chronos, além dos futuros telescópios de 30 metros, será possível observar com precisão a química de galáxias externas. Isso permitirá verificar se a diversidade vista na Via Láctea é realmente comum ou se nossa galáxia segue um caminho singular no cosmos.

Leandro Sinis é biólogo, formado pela UFRJ, e atua como divulgador científico. Apaixonado por ciência e educação, busca tornar o conhecimento acessível de forma clara e responsável.