A história humana é marcada por saltos evolutivos decisivos, mas poucos foram tão transformadores quanto o domínio da cooperação organizada, especialmente na caça. Um novo estudo publicado na Scientific Reports sugere que a habilidade de planejar caçadas em massa ganhou força há cerca de 50 mil anos e pode ter sido o diferencial que consolidou a vantagem do Homo sapiens sobre espécies aparentadas, como os Neandertais. A descoberta reforça a ideia de que sobreviver não era apenas uma questão de força, mas de estratégia coletiva.
Para contextualizar essa mudança, pesquisadores analisaram o sítio arqueológico de Nesher Ramla, em Israel, que preserva vestígios de até 120 mil anos. O local permitiu investigar como hominídeos anteriores lidavam com a caça e até que ponto eram capazes de colaborar em eventos complexos. Os resultados apontam para uma mudança profunda no modo como nossa espécie organizava o cotidiano. Pontos essenciais revelados pela pesquisa:
- A caça em massa é um marcador de cooperação ampla entre grupos, exigindo comunicação articulada;
- Hominídeos de Nesher Ramla realizavam caçadas pequenas e isoladas, sem coordenação extensa;
- A análise dos ossos demonstrou abates individuais, incompatíveis com o manejo de uma única manada;
- Por volta de 50 mil anos atrás, o Homo sapiens já dominava operações coletivas planejadas;
- Essa organização social ofereceu vantagem competitiva direta no acesso a recursos e na sobrevivência.
Quando a colaboração mudou nosso destino evolutivo

A chamada “atualização cognitiva” que marca os últimos 50 mil anos trouxe avanços como símbolos, arte e práticas rituais. Entretanto, a cooperação estratégica se destaca como um dos pilares mais influentes desse período. Caçar vários animais de grande porte ao mesmo tempo não era apenas uma questão de força física: exigia confiança mútua, divisão de tarefas e comunicação eficiente, habilidades que foram se tornando características marcantes da nossa espécie.
No caso de Nesher Ramla, os pesquisadores identificaram padrões que revelam um cenário muito diferente do esperado. Os ossos de auroques, por exemplo, pertenciam exclusivamente a fêmeas adultas e mostravam sinais de abates em momentos distintos. Além disso, análises isotópicas indicaram que esses animais não faziam parte do mesmo rebanho. Esses dados sugerem um modo de vida baseado em pequenos grupos, com caçadas oportunistas e pouco planejamento.
Esse contraste ajuda a explicar por que o Homo sapiens, com sua capacidade de reunir dezenas de indivíduos em ações coordenadas, prosperou em ambientes variados. A cooperação se tornou um recurso tão valioso quanto ferramentas líticas ou domínio do fogo.
Ao concluir que os hominídeos de Nesher Ramla não tinham a organização necessária para caçadas em grande escala, o estudo reforça a ideia de que o sucesso do Homo sapiens foi construído sobre a capacidade de agir coletivamente. Essa aptidão permitiu obter mais alimento, reduzir riscos e criar redes sociais que garantiram resiliência ao longo das eras.

