O intestino dos cães é um universo complexo, repleto de trilhões de microrganismos que formam o chamado microbioma intestinal. Nos últimos anos, pesquisadores têm investigado se essa comunidade microbiana pode influenciar não apenas a saúde física, mas também o comportamento canino, incluindo ansiedade, aprendizagem e resposta ao estresse.
Uma revisão crítica publicada na ScienceDirect reuniu os estudos mais relevantes sobre o tema e mostrou que a relação entre microbioma e comportamento é promissora, mas ainda repleta de incertezas e limitações científicas.
O que a revisão científica encontrou
A análise dos estudos existentes revelou alguns pontos-chave:
- Há indícios preliminares de associação entre composição do microbioma e comportamentos como medo, ansiedade e cognição.
- Os estudos, porém, ainda são poucos, pequenos e com grande variação metodológica, o que impede conclusões definitivas.
- Dieta, idade, raça, ambiente, estresse e uso de medicamentos influenciam muito o microbioma, e quase nenhum estudo conseguiu controlar todos esses fatores.
- Grande parte das pesquisas utiliza apenas sequenciamento 16S de amostras fecais, técnica que identifica microrganismos, mas não fornece informações suficientes sobre função, mecanismos ou metabólitos envolvidos.
- Até agora, a maior parte das evidências mostra correlações, não causalidade.
Por que o microbioma pode afetar o comportamento dos cães?

Pesquisas em humanos e animais sugerem a existência do chamado eixo intestino-cérebro, um sistema complexo de comunicação entre sistema nervoso, microbiota intestinal, hormônios e sistema imunológico.
Nos cães, alguns estudos sugerem que:
- Alterações na microbiota podem influenciar a produção de neurotransmissores, como serotonina e GABA.
- O microbioma pode modular a inflamação sistêmica, que afeta a saúde cerebral.
- Dieta e estresse alteram rapidamente tanto comportamento quanto composição microbiana.
Apesar disso, ainda não há comprovação de que mudar o microbioma causa mudança direta no comportamento, e essa é uma das principais lacunas apontadas pela revisão.
Limitações importantes da pesquisa atual
A revisão reforça várias limitações que precisam ser corrigidas antes que qualquer intervenção baseada em microbioma seja recomendada:
- Amostras pequenas e pouco representativas.
- Falta de padronização na forma de classificar comportamento, coletar fezes e sequenciar DNA.
- Pouca repetição dos achados entre estudos diferentes.
- Ausência de estudos longitudinais que acompanhem cão + microbioma + comportamento ao longo do tempo.
- Falta de estudos de intervenção, como dietas controladas, probióticos ou transplante fecal com medidas comportamentais robustas.
Ou seja: o campo é promissor, mas ainda jovem e metodologicamente frágil.
O que a ciência precisa fazer nos próximos anos?
A revisão da ScienceDirect aponta várias direções essenciais para consolidar esse campo de estudo:
- Realizar estudos longitudinais amplos, acompanhando comportamento e microbioma simultaneamente.
- Desenvolver intervenções controladas, avaliando probióticos, dietas e manipulações da microbiota.
- Usar tecnologias avançadas, como metagenômica, metabolômica e multiômicas, para entender funções microbianas.
- Criar padrões de avaliação comportamental mais consistentes, validados e comparáveis.
Com esses avanços, será possível descobrir se a microbiota realmente influencia o comportamento, e de que forma.
O que isso significa para os tutores de cães?
Embora os estudos ainda não permitam conclusões definitivas, alguns cuidados já têm base científica:
- Oferecer dieta de alta qualidade e estável, sem trocas bruscas.
- Evitar uso desnecessário de antibióticos.
- Garantir rotina, enriquecimento ambiental e redução de estresse, fatores que também modulam o microbioma.
- Buscar avaliação veterinária quando houver mudanças persistentes de comportamento.
Essas práticas ajudam a manter tanto o comportamento quanto o intestino do cão mais equilibrados.

