Uso intenso de vídeos curtos afeta cérebro e emoções, diz ciência

Vídeos curtos estão associados a pior foco e saúde mental. (Foto: Aliaksandrbarysenka via Canva)
Vídeos curtos estão associados a pior foco e saúde mental. (Foto: Aliaksandrbarysenka via Canva)

O gesto de deslizar o dedo pela tela se tornou quase automático. Em poucos minutos, uma sequência interminável de vídeos curtos entrega estímulos rápidos, recompensas imediatas e uma sensação constante de novidade. Embora esse formato pareça inofensivo e até divertido, pesquisadores passaram a questionar se essa dinâmica acelerada pode estar moldando o cérebro de maneira menos saudável. 

Uma ampla análise científica indica que o consumo intenso desse tipo de conteúdo pode estar associado a alterações relevantes no funcionamento cognitivo e no equilíbrio emocional, levantando preocupações que vão muito além do simples tempo de tela.

A revisão sistemática e meta-análise intitulada “Feeds, Feelings, and Focus: A Systematic Review and Meta-Analysis Examining the Cognitive and Mental Health Correlates of Short-Form Video Use”, publicada no periódico Psychological Bulletin, foi conduzida por Lan Nguyen. O trabalho reuniu dados de 71 estudos, envolvendo 98.299 participantes de diferentes regiões do mundo.

O que acontece com o cérebro diante do consumo intenso

Os pesquisadores analisaram dois grandes domínios. O primeiro foi o funcionamento cognitivo, incluindo atenção, controle inibitório, memória, funções executivas e processamento da linguagem. O segundo foi a saúde mental, abrangendo ansiedade, depressão, estresse, qualidade do sono, solidão, autoestima e imagem corporal.

Os resultados apontaram uma associação negativa moderada entre o uso frequente de vídeos curtos e o desempenho cognitivo. Níveis mais elevados de consumo estiveram ligados, de forma consistente, a déficits de atenção e menor capacidade de inibir respostas impulsivas. Na prática, isso significa maior dificuldade em manter o foco em tarefas prolongadas e em resistir a distrações.

Recompensas rápidas moldam hábitos mentais

Uso excessivo de vídeos curtos impacta o funcionamento do cérebro. (Foto: Getty Images via Canva)
Uso excessivo de vídeos curtos impacta o funcionamento do cérebro. (Foto: Getty Images via Canva)

Para explicar esses achados, os autores utilizaram a teoria dual da habituação e sensibilização. Segundo esse modelo, a exposição repetida a estímulos altamente dinâmicos pode reduzir a tolerância do cérebro a atividades mais lentas e exigentes. Com o tempo, tarefas como leitura profunda, estudo contínuo ou resolução de problemas complexos podem parecer menos estimulantes.

Além disso, os sistemas algorítmicos dessas plataformas reforçam comportamentos impulsivos, criando um ciclo de busca constante por gratificação imediata, o que pode enfraquecer o controle cognitivo ao longo do tempo.

Consequências emocionais também entram em cena

No campo da saúde mental, a meta-análise identificou uma correlação negativa pequena, porém significativa, entre o uso de vídeos curtos e o bem-estar psicológico. Maior engajamento esteve associado a níveis mais elevados de ansiedade, estresse e sintomas depressivos, além de distúrbios do sono.

Um achado importante foi que estudos que avaliaram uso compulsivo ou dependência relataram associações mais fortes do que aquelas baseadas apenas no tempo de uso. Isso sugere que a qualidade do envolvimento com o conteúdo é um fator central nos impactos observados.

Evidências cerebrais reforçam os resultados

Essas conclusões são compatíveis com pesquisas neurocientíficas recentes publicadas nas revistas NeuroImage e Neuropsychologia, conduzidas por Yuanyuan Gao, Guanghui Zhai, Chang Liu e colaboradores. 

Esses estudos identificaram alterações estruturais e funcionais em áreas cerebrais ligadas à recompensa, regulação emocional e tomada de decisões em usuários com sintomas de dependência de vídeos curtos.

Limitações e próximos passos da ciência

Apesar da robustez dos dados, os autores destacam limitações importantes, como o predomínio de estudos transversais e o uso de medidas autodeclaradas. Por isso, ainda não é possível estabelecer causalidade direta. 

Estudos longitudinais serão essenciais para determinar se a redução do consumo pode levar a melhorias sustentáveis na saúde cognitiva e emocional.

Rafaela Lucena é farmacêutica, formada pela UNIG, e divulgadora científica. Com foco em saúde e bem-estar, trabalha para levar informação confiável e acessível ao público de forma clara e responsável.