A possibilidade de que uma erupção vulcânica não registrada tenha moldado um dos episódios mais devastadores da humanidade está ganhando força entre pesquisadores. Evidências recentes sugerem que um súbito resfriamento climático no século XIV teria alterado rotas comerciais mediterrâneas e, de forma indireta, facilitado a entrada da Yersinia pestis, agente responsável pela Peste Negra que matou milhões na Europa medieval.
Logo no início dessa reconstituição histórica, chama atenção a convergência de três frentes científicas: anéis de árvores, núcleos de gelo e documentos históricos. Esses elementos reforçam a tese de que um evento natural de grande magnitude pode ter desencadeado mudanças socioeconômicas cruciais. Para visualizar a complexidade desse cenário, vale destacar:
- Redução abrupta das temperaturas após uma provável erupção tropical em 1345;
- Quebra generalizada de safras em áreas mediterrâneas;
- Dependência crescente de grãos oriundos da Ásia Central;
- Abertura de novas rotas marítimas com povos nômades da região;
- Maior movimentação de animais e vetores que carregavam a Yersinia pestis.
Uma reorganização forçada das rotas comerciais

Com os campos assolados e cidades portuárias pressionadas pela fome, potências mediterrâneas passaram a buscar alimentos em regiões controladas pelo antigo Canato da Horda Dourada. Essa reconfiguração logística, embora essencial para evitar escassez, ampliou a circulação de navios, mercadorias e animais infectados. À medida que o abastecimento se restabelecia, a peste encontrava terreno fértil para se espalhar silenciosamente.
A força das evidências ambientais
O estudo, liderado por Martin Bauch e Ulf Büntgen, reforça a importância dos chamados marcadores naturais, que permitem reconstruir o clima de séculos passados. Variações nos anéis de crescimento de árvores e a presença de enxofre em gelo polar funcionam como testemunhos ambientais de eventos extremos. Além disso, esses dados dialogam com análises genéticas que rastreiam linhagens antigas da bactéria em regiões como Tian Shan e Volga, consolidando um quadro multifatorial para a origem da pandemia.
Persistência da doença e lições para o presente
Apesar de ser hoje tratável com antibióticos, a peste ainda circula em áreas específicas da África, Ásia e Américas. No Brasil, não há casos humanos desde 2005, mas focos naturais permanecem em regiões do Nordeste e em áreas de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Isso ressalta a necessidade de vigilância, sobretudo porque a doença permanece associada a animais silvestres.
A hipótese de que um evento climático extremo tenha servido como gatilho para a Peste Negra amplia nossa compreensão sobre como ambiente, comércio e saúde pública se entrelaçam. E, sobretudo, demonstra como transformações ambientais podem redesenhar profundamente sociedades inteiras.

