Chernobyl abriga fungo enigmático que parece “se alimentar” de radiação intensa

Fungo de Chernobyl cresce sob radiação e intriga a ciência mundial (Imagem: Gerada por IA/ Gemini)
Fungo de Chernobyl cresce sob radiação e intriga a ciência mundial (Imagem: Gerada por IA/ Gemini)

A ideia de que a radiação destrói qualquer forma de vida parece indiscutível até que um fungo encontrado nas proximidades do antigo reator de Chernobyl mostra o contrário. Entre ruínas metálicas, concreto deteriorado e níveis perigosos de contaminação, o Cladosporium sphaerospermum surpreende por apresentar um comportamento raro: ele cresce melhor quando exposto à radiação ionizante, em vez de ser prejudicado por ela.

Esse fenômeno despertou o interesse de pesquisadores desde que as primeiras amostras foram analisadas. Em vez de apresentar danos celulares, o fungo mostrou um padrão de desenvolvimento acelerado, levantando hipóteses sobre como sua melanina, o pigmento que lhe dá coloração escura, poderia estar envolvida em uma forma incomum de adaptação. Principais achados sobre o fungo de Chernobyl:

  • Possui alta concentração de melanina, pigmento relacionado à absorção de radiação;
  • Demonstra crescimento mais rápido sob radiação ionizante;
  • Apresenta alterações estruturais na melanina quando irradiado;
  • Levanta a hipótese de um processo chamado radiossíntese, ainda não comprovado.

O papel da melanina em ambientes extremos

Microrganismo radioativo desafia lógica biológica e surpreende pesquisadores (Imagem: Rui Tomé/Atlas of Mycology)
Microrganismo radioativo desafia lógica biológica e surpreende pesquisadores (Imagem: Rui Tomé/Atlas of Mycology)

As análises realizadas ao longo dos anos mostram que os fungos predominantes na região contaminada são, em sua maioria, melanizados. O C. sphaerospermum, porém, se destaca de forma contundente: é abundante, resistente e apresenta níveis de radiação mais elevados do que outros organismos coletados no mesmo local.

Trabalhos publicados por equipes internacionais, incluindo contribuições de especialistas como Ekaterina Dadachova e Arturo Casadevall, sugerem que a melanina pode sofrer modificações quando exposta à radiação, alterando seu estado químico. Isso levou à especulação sobre um possível processo semelhante à fotossíntese mas, como ressaltado em estudo recente liderado por Nils Averesch, não há confirmação de conversão de carbono ou ganho energético direto.

Experimentos além da Terra reforçam interesse científico

Melanina pode explicar a incrível resistência do fungo de Chernobyl (Imagem: Rui Tomé/Atlas of Mycology)
Melanina pode explicar a incrível resistência do fungo de Chernobyl (Imagem: Rui Tomé/Atlas of Mycology)

Em um teste realizado no exterior da Estação Espacial Internacional, o fungo demonstrou capacidade de reduzir parte da radiação que atingia sensores posicionados abaixo da amostra. Ainda que não prove radiossíntese, o resultado levanta a possibilidade de usar fungos melanizados como materiais biológicos de proteção em missões espaciais.

Essa perspectiva ganha força justamente porque outros fungos escuros não apresentam o mesmo padrão. Enquanto algumas espécies aumentam a produção de melanina sem crescer mais rápido, o C. sphaerospermum consegue unir ambos os comportamentos, reforçando sua singularidade.

Mesmo sem conclusões definitivas, esse fungo permanece como um dos exemplos mais interessantes de adaptação extrema já observados. Sua capacidade de prosperar em um ambiente que seria fatal para humanos amplia discussões sobre biologia, ecologia de ambientes extremos e possíveis aplicações tecnológicas inspiradas em organismos resistentes.

Leandro Sinis é biólogo, formado pela UFRJ, e atua como divulgador científico. Apaixonado por ciência e educação, busca tornar o conhecimento acessível de forma clara e responsável.