Um dos maiores temores da comunidade científica é que alterações abruptas em grandes sistemas oceânicos empurrem o planeta para mudanças irreversíveis. Entre esses sistemas está a AMOC, uma vasta circulação oceânica que funciona como um distribuidor global de calor. Quando essa engrenagem perde força, impactos profundos podem ser sentido em regiões inteiras do hemisfério norte, da agricultura ao regime de tempestades.
A maior preocupação sempre recaiu sobre o avanço rápido do degelo na Groenlândia, capaz de despejar grandes volumes de água doce no Atlântico Norte. Surpreendentemente, um estudo publicado na Science Advances indica que outro gigante de gelo, a Antártida Ocidental, pode introduzir um efeito oposto sob determinadas condições. Logo nos primeiros testes, os pesquisadores identificaram pontos-chave:
- A AMOC é extremamente sensível à entrada de água doce;
- A Groenlândia segue como principal gatilho de instabilidade;
- O degelo antártico pode, em certos cenários, atuar como moderador;
- O modelo climático usado simula milhares de anos de evolução;
- Mesmo com estabilização, a AMOC ainda sofre grande enfraquecimento.
Quando dois polos influenciam o mesmo sistema
A equipe da Universidade de Utrecht utilizou o modelo climático CLIMBER-X para simular diferentes combinações de degelo acelerado nos polos. O objetivo era entender como a água doce proveniente de regiões tão distantes poderia interferir na dinâmica que alimenta a AMOC.

Enquanto o derretimento da Groenlândia tende a diluir a salinidade do Atlântico Norte, reduzindo sua densidade, a água de fusão da Antártida Ocidental provoca mudanças profundas no Oceano Antártico. Essas mudanças reorganizam camadas oceânicas e, com o tempo, aumentam a quantidade de água salgada e densa que migra em direção ao norte, exatamente o tipo de água necessário para manter a circulação ativa.
Um mecanismo sensível ao timing
O comportamento revelado pelas simulações deixou claro que o fator determinante não é apenas a quantidade de gelo derretido, mas quando esse degelo ocorre. Se a Antártida “responder” por volta do momento em que a Groenlândia atinge um pico de perda de gelo, o resultado pode ser uma estabilização parcial da circulação.
Entretanto, se o degelo antártico ocorrer tarde demais, ou de forma muito lenta, o efeito se perde. Pior ainda: em alguns cenários, a água proveniente do sul acelera o ponto de ruptura da AMOC.
Mesmo nos cenários mais favoráveis, o sistema ainda sofre uma redução de até 60% da sua força, e levaria cerca de três milênios para retornar ao estado original.
Uma estabilização que não compensa o risco
Apesar do efeito aparentemente positivo, os cientistas destacam que contar com essa “compensação natural” seria extremamente arriscado. O colapso da própria calota antártica já representa impactos irreversíveis, como a elevação global do nível do mar que pode ultrapassar 4 metros.
Assim, embora o estudo ofereça uma visão mais complexa da interação entre polos distantes, ele reforça a urgência de contenção das emissões e de desaceleração do aquecimento global. A estabilidade parcial prevista pelas simulações não elimina os riscos associados ao derretimento massivo de gelo.

