A gonorreia, uma das infecções sexualmente transmissíveis mais comuns do mundo, está entrando em um estágio preocupante. A Organização Mundial da Saúde alerta que a bactéria Neisseria gonorrhoeae está adquirindo resistência em velocidade inédita, tornando alguns dos principais antibióticos cada vez menos eficazes.
O avanço ocorre justamente no momento em que a vigilância global se intensifica, revelando um panorama que exige respostas urgentes.
Resistência antimicrobiana cresce além do esperado
Nos últimos anos, laboratórios de diferentes países observaram uma transformação acelerada no comportamento da bactéria. As taxas de resistência aumentaram de forma expressiva entre 2022 e 2024, especialmente para medicamentos que, até então, eram pilares do tratamento.
Entre os dados mais preocupantes estão:
- Resistência à ceftriaxona subiu de 0,8% para 5%.
- Resistência à cefixima avançou de 1,7% para 11%.
- A resistência à ciprofloxacina alcançou impressionantes 95%.
- A azitromicina manteve taxa de 4%, ainda considerada elevada.
Esse salto acende um alerta porque reduz drasticamente as alternativas terapêuticas disponíveis. Países como Camboja e Vietnã registraram índices particularmente altos, reforçando que a circulação de cepas resistentes está se expandindo rapidamente.
Mapeamento global mostra mudanças no perfil dos casos

A ampliação da vigilância permitiu reunir dados de 12 países em 2024, número muito superior ao de anos anteriores. No total, foram analisados 3.615 casos, com distribuição concentrada na Região do Pacífico Ocidental. A África respondeu por 28% das notificações, enquanto Américas, Sudeste Asiático e Mediterrâneo Oriental registraram participação menor. O Brasil contribuiu com parte significativa da coleta.
O perfil epidemiológico também chama atenção. A idade mediana dos pacientes foi de 27 anos. Cerca de 20% eram homens que fazem sexo com homens, e 42% relataram múltiplos parceiros sexuais no mês anterior. O uso recente de antibióticos e viagens internacionais surgiram como fatores frequentes entre os casos notificados.
Avanços científicos tentam frear a expansão das cepas resistentes
Para enfrentar o avanço da resistência, a OMS tem investido em monitoramento genômico, ampliando a capacidade de identificar mutações associadas à perda de sensibilidade aos medicamentos. Em 2024, quase 3 mil amostras foram sequenciadas, o que permite rastrear como a bactéria circula entre continentes.
Pesquisas com novos tratamentos também estão em andamento. Entre os medicamentos em estudo, destacam-se:
- Zoliflodacina, apontada como possível alternativa oral.
- Gepotidacina, que demonstrou atividade contra cepas resistentes.
- Avaliação do uso preventivo da doxiciclina, ainda em fase de análise.
Essas estratégias ainda precisam de resultados adicionais para serem implementadas, mas representam caminhos promissores diante da perda de eficácia dos antibióticos tradicionais.
Desafios que ainda atrasam o controle da doença
Apesar dos avanços, obstáculos importantes persistem. Muitos países ainda carecem de financiamento adequado para manter programas de vigilância funcionando em longo prazo. Parte dos dados enviados é incompleta e há grande lacuna de informações sobre mulheres e infecções extragenitais, que são subdiagnosticadas.
Além disso, o acesso a diagnóstico rápido continua desigual, o que favorece o tratamento inadequado e acelera a evolução da resistência.
Futuro desafiador exige ação imediata
A escalada da resistência da gonorreia mostra que o mundo está diante de uma possível crise de saúde pública. Se medidas rápidas não forem adotadas, a doença pode se tornar ainda mais difícil de tratar e aumentar o risco de complicações como infertilidade, infecções pélvicas graves e transmissão ampliada.
Expandir o diagnóstico, investir em novos medicamentos e reforçar campanhas de prevenção são passos essenciais para evitar que a gonorreia entre definitivamente na era das infecções quase intratáveis.

