Cientistas transformam urina em proteína e revolucionam comida de astronautas

Tecnologia transforma ureia em proteína nutritiva. (Foto: Getty Images via Canva)
Tecnologia transforma ureia em proteína nutritiva. (Foto: Getty Images via Canva)

Garantir comida suficiente para missões espaciais longas é um dos maiores obstáculos da exploração humana fora da Terra. Para enfrentar esse desafio, pesquisadores europeus estão desenvolvendo uma alternativa completamente inédita: transformar microrganismos, ar, eletricidade e ureia presente na urina em uma proteína altamente nutritiva chamada Solein

A inovação é o foco do projeto HOBI-WAN, criado para permitir que astronautas produzam seu próprio alimento durante viagens prolongadas.

A ideia por trás da produção de proteína no espaço

A Solein é um pó amarelo, com sabor e textura parecida à de uma farinha. (Foto: Mazilu's Images via Canva)
A Solein é um pó amarelo, com sabor e textura parecida à de uma farinha. (Foto: Mazilu’s Images via Canva)

A proposta central do HOBI-WAN é utilizar bactérias especiais que conseguem metabolizar dióxido de carbono, hidrogênio e nitrogênio, este último proveniente da ureia eliminada pelos astronautas. Esses elementos são combinados em biorreatores, onde os microrganismos convertem os gases e compostos simples em proteína de alta qualidade, resultando em um pó leve e amarelo, de sabor neutro e textura parecida com farinha.

O perfil nutricional da Solein é impressionante:

  • 78% de proteína completa
  • 10% de fibras
  • 6% de gordura
  • Todos os aminoácidos essenciais
  • Ferro e vitamina B12

Esse tipo de composição atende às necessidades básicas de uma tripulação em viagens longas, tornando o alimento ideal para ambientes extremos.

O que está sendo testado antes do envio ao espaço?

A primeira etapa do projeto está em andamento na Terra. Durante oito meses, os cientistas ajustam o desempenho dos microrganismos e analisam a eficiência dos biorreatores em condições controladas. Somente após essa fase a tecnologia será levada para a Estação Espacial Internacional (ISS), onde será possível observar se o processo de produção da Solein funciona mesmo sob microgravidade.

Esse passo é essencial para verificar se os microrganismos conseguem metabolizar os elementos corretamente fora da Terra, condição indispensável para uma produção contínua durante missões distantes.

Por que a Solein pode mudar a forma de viver no espaço?

Produzir proteína no próprio ambiente espacial significa:

  • Menos dependência de cargueiros enviados da Terra
  • Redução expressiva nos custos de abastecimento
  • Maior segurança alimentar durante emergências
  • Possibilidade de criar expressões culinárias variadas com o pó protéico

Por ser leve e versátil, a Solein pode ser misturada a bebidas, massas, pastas e até sobremesas, expandindo as opções alimentares e ajudando a manter o bem-estar da tripulação.

Aplicações promissoras também aqui na Terra

A tecnologia não é limitada ao espaço. Como a Solein não exige grandes áreas de cultivo, irrigação ou criação animal, ela representa uma alternativa sustentável para regiões com pouca disponibilidade de água, solo fértil ou infraestrutura agrícola. Por isso, há potencial de impacto em países que enfrentam insegurança alimentar.

A proteína já conta com aprovação para consumo em Singapura e recebeu o selo GRAS nos Estados Unidos, reforçando sua segurança. A empresa responsável também busca certificação em outras regiões, incluindo União Europeia e Reino Unido, preparando o caminho para sua expansão comercial.

Perspectiva para as próximas décadas

Os desenvolvedores acreditam que, por volta de 2035, será possível fabricar Solein diretamente no espaço em diferentes escalas, desde pequenas porções dentro de estações orbitais até volumes maiores destinados a futuras bases na Lua ou em Marte

Se os testes na ISS forem bem-sucedidos, a alimentação dos astronautas poderá ser completamente transformada, utilizando até mesmo compostos produzidos pelo próprio corpo humano.

Rafaela Lucena é farmacêutica, formada pela UNIG, e divulgadora científica. Com foco em saúde e bem-estar, trabalha para levar informação confiável e acessível ao público de forma clara e responsável.