Mineração no Sudeste Asiático pode destruir a biodiversidade do lago Tonlé Sap

Extração de areia ameaça ecossistema e pesca no Lago Tonlé Sap (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)
Extração de areia ameaça ecossistema e pesca no Lago Tonlé Sap (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)

O Lago Tonlé Sap, no Camboja, é o maior lago de água doce do Sudeste Asiático e uma Reserva da Biosfera da UNESCO, reconhecido pela sua extraordinária biodiversidade e importância econômica. Esse ecossistema abriga cerca de 885 espécies de anfíbios, répteis, mamíferos e aves, além de sustentar quase dois milhões de pescadores. No entanto, novas pesquisas publicadas na Nature Sustainability alertam que sua saúde está sendo gravemente comprometida pela extração intensiva de areia no rio Mekong, colocando em risco a produção de alimentos, a subsistência local e a estabilidade ecológica.

O estudo demonstra que a remoção desenfreada de areia é o principal fator que reduz o fluxo reverso do lago, mecanismo natural que abastece o Tonlé Sap durante a época das monções. Essa diminuição afeta diretamente a capacidade do lago de regular enchentes e sustentar a vida aquática.

  • Mais de 100 milhões de toneladas de areia são extraídas anualmente do Mekong;
  • Entre 1998 e 2018, o fluxo reverso do lago caiu entre 40% e 50%;
  • Projeções para 2038 indicam queda de até 69% no fluxo reverso;
  • A redução do leito do rio provoca erosão das margens e risco de colapso ecológico;
  • O declínio afeta diretamente a pesca, fonte de proteína de milhões de pessoas.

Um sistema de fluxo reverso único

O lago Tonlé Sap é abastecido por um sistema incomum de fluxo reverso. Normalmente, o rio Tonlé Sap drena água para o Mekong, mas durante a estação das monções, o nível do Mekong sobe o suficiente para inverter o fluxo, enchendo o lago. Este mecanismo atua como um “capacitor de cheias”, armazenando água para reduzir enchentes no delta do Mekong e garantindo abastecimento na estação seca.

Redução do fluxo do Mekong compromete biodiversidade e alimentos (Imagem: Phoebe Yu/ Canva Pro)
Redução do fluxo do Mekong compromete biodiversidade e alimentos (Imagem: Phoebe Yu/ Canva Pro)

A extração de areia altera o nível do leito do rio, reduzindo a intensidade do fluxo reverso. Consequentemente, o lago não consegue reter água adequadamente, comprometendo o ecossistema e aumentando a vulnerabilidade da população a inundações e escassez de recursos.

Impactos ambientais e sociais

O efeito combinado da mineração de areia, barragens a montante e práticas agrícolas intensivas, como uso de pesticidas e fertilizantes, tem provocado um declínio na população de peixes de até 80% em algumas comunidades pesqueiras. Isso representa uma ameaça direta à segurança alimentar, já que até 60% da proteína consumida no Camboja provém do lago.

Além disso, o desmatamento e a pesca ilegal intensificam a degradação ambiental, tornando o sistema ainda mais vulnerável. A redução do fluxo de água também leva à erosão das margens do Mekong, aumentando riscos de desastres naturais e prejudicando a infraestrutura local.

Caminhos para a gestão sustentável

Projetos como o Hidden Sands, liderado pela Universidade de Southampton, buscam compreender o impacto da extração de areia e desenvolver estratégias de governança sustentável. A gestão adequada de sedimentos e a regulação da mineração são fundamentais para proteger o Lago Tonlé Sap, preservar sua biodiversidade e garantir a subsistência das comunidades dependentes do ecossistema.

A pesquisa reforça a necessidade urgente de políticas que integrem conservação ambiental, segurança alimentar e planejamento urbano, garantindo que o lago continue a cumprir seu papel vital no equilíbrio ecológico e social da região.

Leandro Sinis é biólogo, formado pela UFRJ, e atua como divulgador científico. Apaixonado por ciência e educação, busca tornar o conhecimento acessível de forma clara e responsável.