Derretimento do gelo na Antártida pode acelerar elevação global do mar

Derretimento da Antártida pode acelerar elevação global do nível do mar (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)
Derretimento da Antártida pode acelerar elevação global do nível do mar (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)

Pesquisas recentes publicadas na Nature Geoscience revelam que o derretimento da Antártida Oriental há cerca de 9.000 anos não foi um fenômeno isolado. Pelo contrário, evidências apontam para um ciclo de retroalimentação positiva em cascata, em que o degelo de uma região acelerava o derretimento em outras áreas, amplificando o impacto total sobre a camada de gelo.

Esse estudo é essencial para compreender como as calotas polares respondem a períodos de aquecimento, fornecendo insights cruciais para estimar o futuro da elevação global do nível do mar.

Principais descobertas do estudo:

  • A intrusão de água profunda quente causou o colapso das plataformas de gelo flutuantes;
  • A perda de plataformas acelerou o fluxo de gelo continental em direção ao oceano;
  • A estratificação oceânica aumentou, intensificando a entrada de água quente em regiões costeiras;
  • Modelagem climática indica que pequenos degelos regionais podem gerar efeitos globais;
  • Processos observados no Holoceno têm relevância direta para o aquecimento global atual.

Veja como funciona o ciclo de retroalimentação em cascata

O mecanismo descoberto envolve um feedback oceano-gelo: quando plataformas de gelo flutuantes colapsam, o suporte estrutural do gelo continental é reduzido, fazendo com que ele flua mais rapidamente para o mar. Simultaneamente, a água de degelo altera a salinidade e a estratificação da camada superficial do oceano, permitindo que águas profundas e quentes penetrem ainda mais nas plataformas costeiras.

Esse processo cria um ciclo auto-reforçado, em que o derretimento inicial provoca condições que aceleram novos degelos, não apenas localmente, mas em setores conectados por teleconexões oceânicas.

Evidências geológicas e métodos científicos

Ciclo em cascata do gelo mostra vulnerabilidade das calotas polares (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)
Ciclo em cascata do gelo mostra vulnerabilidade das calotas polares (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)

Para reconstruir esse evento do passado, a equipe analisou núcleos de sedimentos marinhos coletados na Baía de Lützow-Holm, próximo à Estação Syowa, combinando dados de levantamentos geológicos, micropaleontologia e geoquímica. A utilização de razões isotópicas de berílio (¹⁰Be/⁹Be) permitiu rastrear mudanças ambientais e flutuações do gelo há milhares de anos.

Além disso, modelos oceânicos e climáticos de alta resolução confirmaram que a interação entre degelo, estratificação e água quente profunda poderia gerar um efeito em cascata, demonstrando a robustez do mecanismo identificado.

Implicações para o aquecimento global contemporâneo

Atualmente, regiões da Antártida Ocidental, como as geleiras Thwaites e Pine Island, já apresentam rápido recuo devido à intrusão de águas profundas. Se mecanismos semelhantes aos observados no Holoceno estiverem em operação hoje, existe o risco de derretimento regional se expandir, acelerando a perda de gelo global e contribuindo significativamente para a elevação do nível do mar.

Estudos como este reforçam a necessidade de monitoramento contínuo, cooperação internacional e estratégias científicas robustas para prever e mitigar os impactos do aquecimento global sobre as calotas polares.

Colaboração científica e relevância global

A pesquisa envolveu mais de 30 instituições internacionais, incluindo o Instituto Nacional de Pesquisa Polar (NIPR), a Universidade de Tóquio, o JAMSTEC e parceiros de países como Nova Zelândia e Espanha. Essa abordagem interdisciplinar integra geologia, oceanografia e modelagem climática, oferecendo uma visão abrangente do sistema gelo-oceano na Antártida Oriental.

O estudo confirma que pequenas alterações regionais podem gerar efeitos globais, servindo como um alerta para o impacto potencial do aquecimento global sobre as camadas de gelo da Antártida.

Leandro Sinis é biólogo, formado pela UFRJ, e atua como divulgador científico. Apaixonado por ciência e educação, busca tornar o conhecimento acessível de forma clara e responsável.