Pesquisas recentes publicadas na Nature Geoscience revelam que o derretimento da Antártida Oriental há cerca de 9.000 anos não foi um fenômeno isolado. Pelo contrário, evidências apontam para um ciclo de retroalimentação positiva em cascata, em que o degelo de uma região acelerava o derretimento em outras áreas, amplificando o impacto total sobre a camada de gelo.
Esse estudo é essencial para compreender como as calotas polares respondem a períodos de aquecimento, fornecendo insights cruciais para estimar o futuro da elevação global do nível do mar.
Principais descobertas do estudo:
- A intrusão de água profunda quente causou o colapso das plataformas de gelo flutuantes;
- A perda de plataformas acelerou o fluxo de gelo continental em direção ao oceano;
- A estratificação oceânica aumentou, intensificando a entrada de água quente em regiões costeiras;
- Modelagem climática indica que pequenos degelos regionais podem gerar efeitos globais;
- Processos observados no Holoceno têm relevância direta para o aquecimento global atual.
Veja como funciona o ciclo de retroalimentação em cascata
O mecanismo descoberto envolve um feedback oceano-gelo: quando plataformas de gelo flutuantes colapsam, o suporte estrutural do gelo continental é reduzido, fazendo com que ele flua mais rapidamente para o mar. Simultaneamente, a água de degelo altera a salinidade e a estratificação da camada superficial do oceano, permitindo que águas profundas e quentes penetrem ainda mais nas plataformas costeiras.
Esse processo cria um ciclo auto-reforçado, em que o derretimento inicial provoca condições que aceleram novos degelos, não apenas localmente, mas em setores conectados por teleconexões oceânicas.
Evidências geológicas e métodos científicos

Para reconstruir esse evento do passado, a equipe analisou núcleos de sedimentos marinhos coletados na Baía de Lützow-Holm, próximo à Estação Syowa, combinando dados de levantamentos geológicos, micropaleontologia e geoquímica. A utilização de razões isotópicas de berílio (¹⁰Be/⁹Be) permitiu rastrear mudanças ambientais e flutuações do gelo há milhares de anos.
Além disso, modelos oceânicos e climáticos de alta resolução confirmaram que a interação entre degelo, estratificação e água quente profunda poderia gerar um efeito em cascata, demonstrando a robustez do mecanismo identificado.
Implicações para o aquecimento global contemporâneo
Atualmente, regiões da Antártida Ocidental, como as geleiras Thwaites e Pine Island, já apresentam rápido recuo devido à intrusão de águas profundas. Se mecanismos semelhantes aos observados no Holoceno estiverem em operação hoje, existe o risco de derretimento regional se expandir, acelerando a perda de gelo global e contribuindo significativamente para a elevação do nível do mar.
Estudos como este reforçam a necessidade de monitoramento contínuo, cooperação internacional e estratégias científicas robustas para prever e mitigar os impactos do aquecimento global sobre as calotas polares.
Colaboração científica e relevância global
A pesquisa envolveu mais de 30 instituições internacionais, incluindo o Instituto Nacional de Pesquisa Polar (NIPR), a Universidade de Tóquio, o JAMSTEC e parceiros de países como Nova Zelândia e Espanha. Essa abordagem interdisciplinar integra geologia, oceanografia e modelagem climática, oferecendo uma visão abrangente do sistema gelo-oceano na Antártida Oriental.
O estudo confirma que pequenas alterações regionais podem gerar efeitos globais, servindo como um alerta para o impacto potencial do aquecimento global sobre as camadas de gelo da Antártida.

