A surpreendente ligação entre autismo, TDAH e evolução do cérebro humano

TDAH e autismo têm origens genéticas na evolução cerebral. (Foto: Yuri Arcurs via Canva)
TDAH e autismo têm origens genéticas na evolução cerebral. (Foto: Yuri Arcurs via Canva)

A evolução que tornou o cérebro humano o mais complexo do reino animal pode ter vindo acompanhada de um custo inesperado: o aumento da neurodiversidade. Um estudo publicado na revista Molecular Biology and Evolution aponta que o rápido desenvolvimento da nossa espécie está geneticamente associado a condições como o transtorno do espectro autista (TEA) e o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

Os cientistas analisaram o cérebro humano em comparação com o de cinco espécies de primatas e descobriram uma diferença marcante: nossa espécie concentra um número excepcional de neurônios nas camadas internas da substância cinzenta, o que favorece conexões neurais mais densas e sofisticadas. 

Essa estrutura, embora tenha impulsionado a linguagem, a criatividade e o raciocínio abstrato, também parece ter aumentado a sensibilidade a estímulos e a vulnerabilidade genética a distúrbios neurológicos.

Evolução favorece o diferente

Estudo mostra elo entre inteligência e transtornos mentais. (Foto: Getty Images via Canva)
Estudo mostra elo entre inteligência e transtornos mentais. (Foto: Getty Images via Canva)

De acordo com os resultados, a lentidão no crescimento cerebral humano, guiada por alterações em genes ligados ao TEA, pode ter sido fundamental para o surgimento do pensamento simbólico e da comunicação complexa. Em outras palavras, o que hoje chamamos de “transtorno” pode ser, em parte, uma consequência natural da evolução da inteligência.

Além disso, a pesquisa reforça a hipótese de que a neurodiversidade não é um erro biológico, mas uma adaptação vantajosa que favoreceu a sobrevivência e o progresso da espécie.

TDAH: de distração à adaptação

O Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences publicou um estudo da Universidade da Pensilvânia que reforça essa ideia ao analisar o TDAH sob uma perspectiva evolutiva.

Pesquisadores observaram que traços como impulsividade e busca por novidade, típicos do transtorno, poderiam ter sido vantagens em sociedades nômades, quando explorar novos territórios ou fontes de alimento aumentava as chances de sobrevivência.

Essa teoria sugere que características hoje vistas como “sintomas” foram, em outro tempo, instrumentos de adaptação e sucesso evolutivo.

Legado evolutivo

A recorrência de condições neurológicas como autismo, TDAH, enxaqueca e síncope na população levanta uma questão intrigante: se são tão comuns, talvez façam parte de um legado evolutivo.

Esses mecanismos, embora possam causar desconforto ou limitação hoje, podem ter funcionado como sinais de alerta ou defesa em nossos ancestrais. A enxaqueca, por exemplo, pode ter servido como aviso fisiológico contra comportamentos prejudiciais à sobrevivência, enquanto a síncope (desmaio) diante do sangue talvez tenha reduzido o risco de sangramentos fatais.

Em todos os casos, o corpo humano parece guardar estratégias antigas de proteção, vestígios de uma biologia moldada para garantir a continuidade da vida, mesmo que, no presente, esses traços se manifestem como desafios clínicos.

Rafaela Lucena é farmacêutica, formada pela UNIG, e divulgadora científica. Com foco em saúde e bem-estar, trabalha para levar informação confiável e acessível ao público de forma clara e responsável.