Um minúsculo fragmento ósseo encontrado na Península da Crimeia pode estar redefinindo o entendimento sobre a migração dos neandertais entre a Europa e a Ásia. A descoberta, publicada na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), fornece as primeiras evidências diretas de DNA neandertal na região e aponta para conexões genéticas surpreendentes com populações siberianas.
Durante décadas, os arqueólogos tentaram reconstruir a rota que levou os neandertais europeus para o leste, mas as respostas permaneciam incompletas devido à escassez de fósseis preservados. Agora, graças ao uso de técnicas avançadas de Zooarqueologia por Espectrometria de Massas (ZooMS), os cientistas conseguiram identificar o material genético de um indivíduo apelidado de “Estrela 1”, datado de aproximadamente 45 mil anos atrás.
Como a tecnologia revelou o passado oculto

Para realizar a análise, foram examinados 150 fragmentos ósseos encontrados no sítio arqueológico de Starosele, um local já associado à presença neandertal no Paleolítico Médio. Os resultados mostraram que:
- 93% dos fragmentos pertenciam a cavalos, evidenciando que essa era a principal fonte alimentar dos neandertais da região;
- Havia também vestígios de lobos, bisões e rinocerontes;
- O fragmento identificado como humano continha DNA mitocondrial neandertal, confirmando sua origem.
Além disso, o sequenciamento genético mostrou que Estrela 1 ocupa uma posição intermediária entre os neandertais da Europa Ocidental e os da Sibéria, como os encontrados em Denisova e Okladnikov. Essa ligação sugere que populações neandertais europeias podem ter migrado para o leste por meio de corredores ecológicos que existiram durante períodos climáticos favoráveis.
A rota invisível da Crimeia à Sibéria

Para investigar essa hipótese, os pesquisadores criaram modelos de adequação de habitat baseados em dados paleoclimáticos. As simulações indicaram a existência de um corredor natural ao longo da latitude 55°N, que teria permitido o deslocamento dos neandertais entre 120 mil e 60 mil anos atrás. Esse caminho pode ter sido crucial para o intercâmbio cultural e genético entre grupos distantes.
As semelhanças nas ferramentas de pedra encontradas em Starosele e nas cavernas siberianas reforçam a ideia de uma rede de contato entre populações separadas por milhares de quilômetros.
Reescrevendo a jornada dos neandertais
Apesar de o material genético estar fragmentado, o achado representa um marco importante. Ele conecta dois mundos antes considerados isolados e oferece novas pistas sobre como os neandertais se adaptaram a diferentes ambientes. Essa descoberta também contribui para compreender as interações entre neandertais e Homo sapiens, que coexistiram por milhares de anos antes da extinção dos primeiros.
O estudo de Starosele mostra que cada pequeno fragmento pode conter histórias perdidas da evolução humana, revelando trajetórias que se estendem de cavernas europeias às estepes asiáticas.


 
							 
							 
							