A verdade pouco falada sobre o uso gigante de água nos lançamentos de foguetes

Foguetes usam milhões de litros de água para proteger a decolagem. (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)
Foguetes usam milhões de litros de água para proteger a decolagem. (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)

Quando um foguete se prepara para deixar a plataforma, o que impressiona não é apenas o brilho dos motores ou o som ensurdecedor da ignição. O que muitos desconhecem é que, poucos instantes antes da subida, uma quantidade monumental de água é despejada sobre a base, um mecanismo essencial para evitar que a estrutura colapse sob o impacto térmico e acústico. Em lançamentos de alto empuxo, esse volume pode ultrapassar 1 milhão de litros, criando uma verdadeira cortina líquida em frações de segundo.

Esse recurso, apesar de parecer exagerado, cumpre funções vitais para a integridade do foguete e da plataforma. Os principais motivos para usar tanta água incluem:

  • Dissipar calor extremo, evitando danos estruturais imediatos;
  • Reduzir vibrações acústicas, que podem comprometer sistemas internos;
  • Minimizar ondas refletidas na superfície da base de lançamento;
  • Proteger cargas sensíveis, como satélites e instrumentos científicos;
  • Prevenir impactos ambientais ao controlar partículas e resíduos térmicos.

O poder destrutivo do som que a água precisa controlar

Motores de foguetes podem gerar mais de 180 decibéis, intensidade sonora suficientemente alta para causar destruição física, e não apenas desconforto auditivo. A energia acústica gerada durante a ignição se espalha em todas as direções, refletindo no solo e retornando à estrutura com força capaz de provocar vibrações severas. Essas ondas podem atravessar o corpo do foguete, alcançar compartimentos internos e afetar sistemas eletrônicos, instrumentação e até a carga útil.

Cortina de água reduz calor e som extremo em lançamentos espaciais. (Imagem: NASA)
Cortina de água reduz calor e som extremo em lançamentos espaciais. (Imagem: NASA)

A água atua como um absorvedor acústico natural: ao se espalhar pela plataforma, transforma parte da energia sonora em calor e cria uma nuvem densa de vapor que dispersa ondas refletidas. Esse processo reduz riscos de resonância, uma das causas mais comuns de falhas durante a fase inicial do voo.

Impacto térmico como barreira líquida que impede um colapso estrutural

O contato entre o jato superaquecido do motor e o solo pode gerar temperaturas capazes de fundir concreto em segundos. A cortina d’água cria uma superfície de resfriamento que impede a degradação da plataforma e reduz a probabilidade de projéteis incandescentes serem lançados contra o foguete. Em veículos de grande porte, como megafoguetes de próxima geração, essa proteção é indispensável.

Embora pareça um desperdício, o volume utilizado representa uma fração ínfima do consumo global. Parte evapora imediatamente devido ao calor dos motores; outra parcela é drenada, podendo ser tratada e reaproveitada conforme a infraestrutura da base. O maior desafio não é a quantidade, mas a possibilidade de contaminação química, especialmente quando resíduos de propelentes entram em contato com a água coletada.

Existe alternativa ao uso massivo de água?

Pesquisas em engenharia espacial investigam opções como materiais de alta resistência térmica, espumas especiais e defletores otimizados. No entanto, nada iguala a combinação de simplicidade, eficiência e custo-benefício que a água oferece. Para foguetes com grande potência, o sistema de dilúvio continua sendo o método mais robusto disponível.

Leandro Sinis é biólogo, formado pela UFRJ, e atua como divulgador científico. Apaixonado por ciência e educação, busca tornar o conhecimento acessível de forma clara e responsável.