Água “de outro mundo” surge em vegetal antigo e intriga pesquisadores

Planta ancestral produz água rara e desafia tudo que sabíamos sobre isótopos (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)
Planta ancestral produz água rara e desafia tudo que sabíamos sobre isótopos (Imagem: Getty Images/ Canva Pro)

Uma planta que muitos consideram simples e até discreta, a cavalinha, está no centro de um dos achados mais intrigantes da geoquímica moderna. Ao analisar essa espécie que acompanha a Terra há aproximadamente 400 milhões de anos, pesquisadores identificaram que ela produz um tipo de água com assinaturas isotópicas nunca observadas em nenhum material terrestre conhecido. O estudo, conduzido pela Universidade do Novo México e publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), mostra que esse vegetal funciona como um verdadeiro sistema natural de destilação.

A descoberta tornou-se ainda mais surpreendente ao revelar que o processo interno da planta gera valores extremos de isótopos de oxigênio, ampliando significativamente o intervalo considerado possível para materiais da Terra. Esse comportamento rompe previsões estabelecidas e modifica a forma como cientistas entendem a interação entre plantas, solo e atmosfera ao longo da história geológica do planeta. Principais pontos da descoberta:

  • A cavalinha atua como uma torre de destilação natural ao longo de seu caule oco;
  • Produz água com assinaturas isotópicas mais radicais do que qualquer registro conhecido;
  • O estudo amplia em várias vezes a faixa de valores de isótopos de oxigênio em materiais terrestres;
  • Fitólitos preservados em plantas fósseis podem guardar essas assinaturas por milhões de anos;
  • A pesquisa introduz um novo coeficiente que refina modelos climáticos e interpretações paleoambientais.

Um vegetal que abre janela para climas remotos

Cavalinha cria “água alienígena” e redefine limites da geoquímica moderna (Imagem: Pexels/ Canva Pro)
Cavalinha cria “água alienígena” e redefine limites da geoquímica moderna (Imagem: Pexels/ Canva Pro)

Além de desafiar conceitos atuais da química da água, a cavalinha também se destaca como ferramenta para decifrar condições ambientais de épocas remotas. Durante o período dos dinossauros, essas plantas podiam atingir alturas impressionantes e acumulavam em seus tecidos pequenas partículas de sílica, os fitólitos. Esses fragmentos funcionam como cápsulas microscópicas capazes de preservar sinais isotópicos por vastos intervalos de tempo.

Graças a essa característica, a espécie pode ajudar a reconstruir a umidade e a dinâmica climática de eras distantes. Entretanto, o estudo alerta que esses registros não devem ser interpretados de forma direta, já que os valores encontrados não representam um simples equilíbrio com a água da planta. Em outras palavras, sem análises refinadas, há risco de distorcer interpretações paleoclimáticas.

Impactos modernos e implicações para a ciência do clima

Além do valor histórico, os resultados trazem implicações importantes para pesquisas atuais. Ao entender como a cavalinha processa água em ambientes secos, cientistas podem ajustar modelos que envolvem isótopos estáveis, amplamente usados em estudos de circulação atmosférica, evapotranspiração e mudanças climáticas. O novo coeficiente proposto no estudo se torna, assim, uma ferramenta crucial para análises futuras.

Em síntese, essa planta resistente e milenar mostra que ainda existem mecanismos naturais capazes de surpreender até as metodologias mais sofisticadas da geoquímica. A cavalinha, discreta e persistente, continua revelando códigos essenciais para compreender o passado profundo da Terra e talvez até o seu futuro climático.

Leandro Sinis é biólogo, formado pela UFRJ, e atua como divulgador científico. Apaixonado por ciência e educação, busca tornar o conhecimento acessível de forma clara e responsável.